quinta-feira, 20 de junho de 2013




Grupo INSSena
                             apresenta


      Um LOAS com Dona
                Conceição

                                    TRAGICOMÉDIA EM UM ATO

Personagens:
Catipapi, catadora de papel, perdão, consultora previdenciária.
Emengarda, a requerente
Dona Conceição, que dispensa apresentação.

 Dona Conceição (pensando alto ao ver a senha que chamou) : Titica, um LOAS!
Emengarda e Catipapi vêm se aproximando, a segunda empurrando a cadeira de rodas da primeira que, além de tudo, carrega uma bengala. Essa estranha conjunção de elementos excludentes diante do olho clínico de Dona Conceição a faz erguer a sobrancelha esquerda em sinal de suspeição.
Dona Conceição: Bom dia, Dona Emengarda, a senhora veio dar entrada no LOAS?

Catipapi: Ela veio. Tá aqui o formulário. Nós gostaríamos também de cadastrar uma procuração para eu receber por ela.

Dona Conceição: Isso só depois que o benefício for concedido. E vai precisar também de uma declaração do médico dizendo que ela está lúcida e com dificuldade de locomoção.

Catipapi: Ah, ela tem muita dificuldade.

Dona Conceição: Não duvido. Precisa até de bengala para andar de cadeira de rodas. Dona Emengarda, me empreste sua identidade e CPF.

Catipapi: Dá a identidade e o CPF pra moça.

Dona Conceição (olhando o formulário de grupo familiar): A senhora mora sozinha?

Catipapi: Ela mora, coitadinha. Por isso é que eu estou ajudando. Não vou cobrar nada por isso.

Dona Conceição (levemente irônica): A senhora tem um coração de ouro.

Catipapi (reforçando a boa imagem): Faço o que posso; estou sempre ajudando os mais necessitados.

Dona Conceição: Sei... Bem, Dona Emengarda, preciso de sua certidão de nascimento.

Catipapi: Dá a certidão pra moça. (para Dona Conceição): Ela é casada, mas está separada do marido há mais de 30 anos. Ele foi embora e largou a coitadinha sozinha. Tá aqui a declaração de que ela não sabe o paradeiro dele.

Dona Emengarda  entrega a certidão e permanece quase em silêncio, o único som que emite é o estalar contínuo dos lábios, como se estivesse ruminando a língua.

Dona Conceição: Agora preciso do comprovante de residência.

Catipapi: Ah, a coitadinha não tem. Ela mora por favor num quartinho emprestado.

Dona Conceição: Casa de parente?

Catipapi: Não! É gente que ela nem a conhece. Só ficaram com pena dela e a deixaram morar lá.

Dona Conceição (irônica): O povo brasileiro é um exemplo de altruísmo. A senhora sabe, Dona Catipapi, que quase todo mundo que vem dar entrada no LOAS mora num quartinho emprestado por pessoas que mal conhecem? Mas, de qualquer maneira, vou precisar da conta de luz do dono do terreno que cedeu o cômodo.

Catipapi: Ela não tem, a pobrezinha.

Dona Emengarda (abandonando o silêncio com uma vozinha fraca e rouca): Conta de luz?

Dona Conceição: É.

Catipapi: Ela não tem.

Dona Emengarda: Tenho, sim. (tirando da bolsa): tenho  esta, ó, tenho esta, tenho esta...

Catipapi: Não, não precisa mostrar todas. A moça só precisa de uma.

Dona Conceição (desconfiada): Não, eu  faço questão de ver todas... (se apressa em recolhê-las a medida que são postas na mesa )

Dona Emengarda: Tenho esta, tenho esta, tenho esta... acho que é só...

Dona Conceição: Hum... está aqui está no nome do marido da senhora...

Dona Emengarda: O Boanerges...

Dona Conceição: e esta aqui, e esta, e esta, e esta e esta. Todas no nome do Seu Boanerges, mas com endereços diferentes.

Catipapi (fazendo cara de espanto): Mesmo?

Dona Conceição: Mesmo. Dona Emengarda, o Seu Boanerges tem seis casas?

Dona Emengarda: Temos oito, mas eu só trouxe conta de luz de seis. Não sei onde pus as outras.

Dona Conceição: Então a senhora mora com o Seu Boanerges?

Dona Emengarda: Há mais de 60 anos que eu aguento aquele velho rabugento, minha filha. Desde que se aposentou não sai mais de casa. Um traste!

Catipapi (gaguejando): A senhora não disse que ele tinha ido embora?

Dona Emengarda: Eu?

Catipapi: A senhora disse que não sabia onde ele se encontrava.

Dona Emengarda: Que isso! Ele me avisa até quando vai ao banheiro.

Catipapi (girando o indicador em torno da orelha para demonstrar que a sua cliente não ia bem das ideias).

Dona Emengarda (vendo o gesto): Eu não estou gagá!

Catipapi: Não, Dona Emengarda, eu só estava limpando o ouvido, me deu uma coceira repentina.

Dona Emengarda (dando um golpe com a bengala na catadora de pa, digo, consultora previdenciária) Não me trate como se eu fosse uma velha coroca!

Catipapi: Ai, ai, para! Isso dói!
.
Dona Emengarda  (levantando-se): E vai doer muito mais. (correndo atrás de Catipapi e lhe dando umas bengaladas): Me tirou de casa à toa, me fez andar de cadeira de rodas e ainda diz que sou uma velha gagá. Bem que a Mariinha me disse que você só quer se aproveitar da boa vontade dos outros. E toma outra!

Catipapi (correndo e tentando proteger a cabeça com as mãos): Ai, ai, para, para!


Dona Conceição (segurando o riso): Hum, que interessante...  Não é que estou começando a gostar de LOAS?

quinta-feira, 6 de junho de 2013


          
    GRUPO  INSSena

                   APRESENTA

       Cena INSSana

                                  (Tragicomédia em um ato)

Personagens:

Novato, o servidor já nosso conhecido, em suas primeiras experiências no atendimento ao público.

Dr. Gravatinha, o advogado  recém-formado, digamos que esteja apenas em seu primeiro terno, tão experiente em sua profissão quanto Novato na sua.

Sete Palmos, cliente de Dr. Gravatinha.


Novato: Bom dia, o senhor veio dar entrada no auxilio reclusão?
Dr. Gravatinha: Bom dia. Como o senhor se chama?
Novato: Novato.
Dr. Gravatinha: Senhor Novato, eu estou aqui representando o meu cliente, o   Sr. Sete Palmos, para fins de recebimento do Salário Reclusão.
Novato: O senhor quis dizer Auxílio Reclusão...
Dr. Gravatinha: Que seja.
Novato: E quem está preso, senhor?
Dr. Gravatinha: Meu cliente, o Sr. Sete Palmos.
Novato: E para quem é o benefício?
Dr. Gravatinha: O Benefício Reclusão é para o meu cliente, evidentemente.
Novato: O AUXILIO Reclusão é devido apenas aos dependentes do segurado recolhido à prisão, não ao recluso.
Dr. Gravatinha: E onde diz isso?
Novato: Na legislação previdenciária, tanto  no decreto 3048 de 1999 como na Instrução Normativa 45 de 2010.
Dr. Gravatinha: Li a legislação e em artigo nenhum diz que é vedado o recebimento do Amparo Reclusão ao prisioneiro.
Novato: AUXÍLIO, é Auxilio Reclusão. Não diz porque uma vez que esclarece quem pode receber, deixa evidente quem não pode receber. O senhor não leu o que diz a legislação, mas a interpretou pelo que ela não diz.
Dr. Gravatinha: Senhor Nonato, atenha-se ao seu serviço e deixe para mim o cuidado das leis, que esta é minha especialidade.
Novato: Percebo, senhor, mas meu nome é Novato e não Nonato.
Novato (após pesquisa do CNIS):  Senhor, não encontrei nenhum vínculo ou recolhimento em nome do seu cliente. Ele não estava trabalhando ou contribuindo para a Previdência quando foi recolhido à prisão?
Dr. Gravatinha: Não, mas não foi por culpa dele. Vocês aqui é que se negaram a cadastrá-lo como contribuinte individual.
Novato: Mesmo? E sob qual alegação?
Dr. Gravatinha: Sob alegação de que profissão dele não consta na Classificação Brasileira de Ocupações.
Novato: Ora... E qual é a profissão dele?
Dr. Gravatinha: Matador de aluguel.
Novato: Mas esse não é um trabalho legalmente reconhecido. Diria mesmo que é um serviço ilícito. Não há como se declarar assassino e ser assim cadastrado dentro das normas do CBO.
Dr. Gravatinha: Senhor Donato, peço mais respeito com meu cliente. Em momento nenhum foi-lhe dito que meu cliente é um assassino.
Novato: Meu nome não é Donato, é Novato, NOVATO. E me perdoe, senhor, pela declaração imprópria. É que incorri no erro de interpretar não pelo que me foi dito, mas pelo que não me foi e então conclui, erroneamente, que um matador de aluguel comete assassínios. De qualquer modo, nas duas situações, creio não seria possível cadastrá-lo de acordo com sua ocupação, pois, em todo caso, a atividade de seu cliente não está regulamentada talvez porque, até por um excesso de rigor, seja ainda considerada ilícita.
Dr. Gravatinha (citando professoralmente): “A Classificação Brasileira de Ocupações descreve e ordena as ocupações dentro de uma estrutura hierarquizada que permite agregar as informações referentes à força de trabalho, segundo características ocupacionais que dizem respeito à natureza da força de trabalho (funções, tarefas e obrigações que tipificam a ocupação) e ao conteúdo do trabalho (conjunto de conhecimentos, habilidades, atributos pessoais e outros requisitos exigidos para o exercício da ocupação)”.
Novato: O senhor parece mesmo entendido do assunto.
Dr. Gravatinha (com um sorriso de orgulho satisfeito): Então me diga, senhor Dorinato, onde consta que as atividades pouco ortodoxas não podem ser consideradas para fins de inscrição e contribuição previdenciária?
Novato: Em lugar nenhum, senhor, mas meu nome não é Dorinato, é NOVATO. Agora, para prosseguirmos, eu preciso da declaração de cárcere.
Dr. Gravatinha: Aquele documento que diz que meu cliente está preso? Não o tenho presentemente. Na verdade, o meu cliente encontra-se momentaneamente afastado do ambiente carcerário no qual realizava as consequências de sua atividade laborativa.
Novato: Ele está em liberdade condicional?
Dr. Gravatinha: Não exatamente...
Novato: Fugiu?
Dr. Gravatinha: Eu não diria isso. Ele foi sequestrado do presídio por pessoas que se dizem seus amigos e que, posso garantir, não o são.
Novato: Bom, de qualquer forma, só tem direito ao Auxilio Reclusão aquele segurado que efetivamente encontra-se recluso em regime fechado ou semiaberto, desde que, neste último caso, não esteja realizando trabalho remunerado.
Dr. Gravatinha: E quem pode afirmar o contrário? Ainda que não esteja cumprindo pena na penitenciária, certamente encontra-se encarcerado em área restrita, cercado por homens armados que lhe impedem de voltar ao ambiente punitivo de onde foi retirado a contragosto.
Novato: Muito louvável o apreço de seu cliente pelo cumprimento das leis, porém, seria necessário que ele estivesse a respeitá-la em ambiente menos informal.
Dr. Gravatinha: Sr. Deodato, seria o caso, então, de um Beneficio Assistencial ao Detento?
Novato: Pela última vez: Meu nome é NOVATO! NO-VA-TO! Não sei por que o senhor quis saber o meu nome tendo uma memória recente assim tão deficitária. E não existe Benefício Assistencial ao Detento. Existem benefícios assistenciais aos idosos e aos deficientes.
Dr. Gravatinha: Este! Este último é o que convém ao meu cliente.
Novato: E que tipo de incapacidade de longo prazo possui o seu cliente para pleitear o Benefício Assistencial ao Deficiente?
Dr. Gravatinha: Um transtorno de caráter, um desvio de conduta...
Novato (irônico): Compreendo... Algo assim como uma escoliose moral, pois não?
Dr. Gravatinha: Exatamente. Agora começamos a nos entender, Sr. Nosferatu.
Novato: Ah, não! Nosferatu?! Isso é inadmissível!  Agora o Sr. ultrapassou todos os limites do equívoco cortês. Está me chamando  de vampiro. Isso é uma total falta de compostura acadêmica.
Dr. Gravatinha: As suas críticas à minha memória estão se tornando inconvenientes. Devo adverti-lo que meu cliente, para quem o  senhor demonstrou incrível má vontade em conceder um benefício, acaba de adentrar o recinto e segue em nossa direção.
Entra Sete Palmos, um homenzarrão barbudo e com cara de poucos amigos, um revólver em cada mão, sendo girados em torno dos dedos, malabaristicamente utilizados em demonstração perícia semelhante aos pistoleiros do velho oeste no manejo das armas. 
Novato: Ai, meu Deus! (desmaia).
Dr. Gravatinha (para Sete Palmos): Ué, conseguiu entrar com arma e tudo?
Sete Palmos: A porta até que apitou, mas os homi tudo fugiram...
Dr. Gravatinha (rindo e apontando Novato que jaz estirado no chão): Esse aí não fugiu, não...
Sete Palmos: É...Caiu foi é duro....

                                                       (Cai o pano)