Dona Conceição
Como sabiamente filosofou nossa emérita representante acima citada, em nossa ilustre instituição ocorrem fatos muito estranhos e inexplicáveis. E não nos referimos àqueles processos sujeitos a teletransporte que somem de uma mesa e aparecem em outra, ou que se tornam invisíveis por um determinado período de tempo e depois, magicamente, reaparecem no lugar em que deveriam estar, em ambos os casos, sem que ninguém neles tivesse tocado. Falamos aqui de acontecimentos que envolvem o cidadão-segurado, tão cientificamente improváveis que ser servidor do INSS é quase um ofício religioso, repleto de dogmas de fé, nós quais devemos acreditar sem suspeição ou dúvida, em prol da presunção de boa-fé que devemos ter em relação à nossa clientela. Vejamos alguns exemplos:
Mistério da conservação do papel: Quem já não deparou com uma solicitante de pensão por morte que apresentou uma cópia, unicamente da parte da frente da certidão de casamento, e alega não ter como apresentar o documento original uma vez que este se perdeu há mais de vinte anos? É interessante notar que esta reprodução, embora tão antiga, não possua sequer um amassadinho, mancha de mofo ou cheiro de guardado, parecendo ter sido tirada naquele mesmo dia. Entretanto, sem descrer da veracidade da informação, somos obrigados a solicitar uma segunda via do documento ou a apresentação do original. Aí, muitas vezes, outro mistério se acumula ao primeiro; de tanto revirar sua bolsa, a viúva apresenta, um tanto amassado, o original da certidão, não sem fazer uma cara de susto diante da descoberta, já que o documento que julgava estar perdido estava todo esse tempo em sua bolsa. Também se espanta o servidor ao ver que o papel provém de uma bolsa que não aparenta ter, de modo algum, duas décadas de confecção. Outro mais secreto acontecimento se dá quando se lê, no verso da certidão, uma averbação de divórcio, coisa que, segundo a esposa, nunca ocorreu e que, de forma alguma, poderia estar ali gravado.
Mistério da dissolução familiar: Uma situação infeliz e estranhamente recorrente acontece nos Benefícios Assistenciais. Muitas senhorinhas idosas, de uma hora para outra, são abandonadas pelos seus maridos aposentados e pelos seus filhos solteiros e acabam por ir morar de favor em uma casa cedida por pessoas que mal a conhecem. E todo esse infortúnio ocorre no espaço de mais ou menos um mês, entre um pedido de LOAS e outro. Felizmente, tal situação de exílio não é definitiva como comprovam requerimentos de pensão por morte destas mesmas senhoras, reintegradas aos seus lares para o amparo de desvalidos e arrependidos cônjuges que, em seus abnegados braços, soltam seus últimos lamuriosos suspiros.
Milagre do CNIS redentor: Quantos não são os segurados que, tendo perdido todos os carnês, apegam-se às informações do CNIS para conseguirem se aposentar? Infelizmente, trágica coincidência, alguns deles perdem os carnês dias depois de todos os dados terem sido inseridos no sistema. Porque não estavam lá antes, não se sabe, é um enigma. Porque tais documentos foram perdidos na enchente em época de estiagem, é outro.
Para todos os casos acima citados, por mais complexos que possam ser, a solução é uma só: uma bem elaborada cartinha de exigência para que os futuros beneficiários providenciem, lá com seus santos, a complementação de seus feitos extraordinários a fim de levar a bom termo seus requerimentos.
Outro caso especialíssimo embora não totalmente incomum é a cura pela aposentadoria. Acontece quando aquele segurado, depois de perpetuar-se no auxílio doença com a ajuda de laudos médicos cada vez mais dramáticos, é contemplado com uma aposentadoria por invalidez, digamos, pelo conjunto da obra. Esse momento tão ansiosamente esperado traz-lhe tão grandes benefícios que sua coluna se desentorta, suas veias se desentopem, a depressão acaba, todos os sentidos são amplamente recuperados e, em breve já se pode ver, esses renascidos senhores ou senhoras, muito bem dispostos, fazendo aqui e acolá alguns trabalhinhos, senão propriamente filantrópicos, que lhes engrandeçam o espírito, pelo menos suficientemente rentáveis para lhes estimular os rendimentos.