
Para tanto, já comprou até
uma bengala nova, com a qual fará piquete, acertando as canelas dos
fura-greve que se atreverem a entrar na agência do INPS na qual
trabalha desde 1927. “Ninguém entra, ninguém sai”, é o lema
que a ilustre servidora passará a utilizar a partir de
segunda-feira, dia 15, data em que iniciará sua greve, não
respeitando muito as datas iniciais variáveis acima informadas. “A
greve é minha e eu faço na hora que quiser”, respondeu a
revoltada senhorinha de 96 anos, e completou “e isso é pouco para
quem já fez quatro anos de greve em total desconhecimento de causa”.
Porém, a eminente
senhora declarou que, em seu tempo livre, não deixará de acompanhar
a legislação atualizada diariamente por meio de profusas e confusas
leis, portarias, decretos, notas técnicas, instruções normativas,
cada uma se sobrepondo e alterando a anterior, em total desvario.
No momento ela está muito
interessada no papel de substituta de perito médico para analisar
PPPs. “É encantador assumir o trabalho alheio sem uma
contrapartida remuneratória, sem pontuação, apenas por diletante
obrigação”.
E ela não para por aí, já
prevendo mais transferência do jaleco branco para o balcão de
atendimento, a sempre prudente servidora, vem exercitando perícias
médicas em seu hamster de estimação, aferindo sua pressão e seu
batimento cardíaco antes e depois de se exercitar na rodinha,
verificando a temperatura da barriguinha e do focinho e olfatando o
seu cocô. Daí para avaliar a condição de saúde de um ser humano
é um pulo, como os testes das vacinas de covid que passaram de
animais para humanos sem muita delongas, porém, espera-se, sem seus
efeitos colaterais.
Dona Conceição também tem
muita experiência na rediviva função de psicóloga de segurados
deprimidos, revoltados, mal-amados, esquizofrênicos, psicopatas e
que despejam todos seus sentimentos mal contidos em seus atentos, e
felizmente meio surdos, ouvidos. Mais uma função de nível superior
com salário de nível médio, com o qual já está acostumada.
Quanto aos velhinhos
normais ou com leves sinais de Alzheimer, como é o caso de Dona
Lupina, mãe de certo Ministro de Estado e amiga de Dona Conceição
desde a escola primária, a conversa é amena e atualizadora dos
males da idade, de como anda a artrite de uma e a artrose da outra.
Se a primeira já conseguiu se livrar da unha encravada e se o calo
da segunda ainda dói muito. E pequenas disputas sobre quem tem o
joanete maior.
Entretanto todas essas
novidades ficarão para depois da histórica e valorosa greve que ora
se inicia, plena de duvidosa esperança. A trigésima quinta da
jubilosa carreira de Dona Conceição.