Na lição de hoje iremos conhecer as fases por que passa o novo servidor do INSS até que ele se transforme num autêntico inssano, quando passa a se questionar por qual intuito foi forçado a fazer um teste de sanidade mental antes de assumir o seu posto na autarquia.
A primeira etapa desta nova vida é a do atordoamento. O novato, imbuído das melhores intenções, de toda a boa vontade, disposto a tudo aprender e a todos obedecer, recebe, como primeira missão, a fácil tarefa de sentar-se junto a um colega de determinado setor para ir se ambientando e aprendendo a atender o público. Ele ouve a demanda dos segurados, observa o servidor abrindo ou tentando abrir uma variedade aberrante de sistemas, tem o seu primeiro contato, ainda que a uma distância segura, com o CNIS, o reconhece pela inúmeras e infrutíferas tentativas de acesso e os resmungos do colega e não entende nada do que está se passando à sua frente. São tão variadas as solicitações, tantas telas se alternando, que, ao final do dia, tem dificuldade até de saber para que lado da cidade fica a própria casa.
Nos dias seguintes a história se repete, só que em outro setor, com outra demanda, mais confusão na cabeça do recém-empossado servidor que nada compreende e que sequer consegue fazer anotações coerentes naquela caderneta que com tanta esperança adotou para acomodar suas observações. A esses dias de aturdimento seguem-se as primeiras noites de insônia, onde ele é assombrado pelas situações vividas durante o horário do trabalho.
Bem no meio desse período desastroso em que o neófito amanhece com cara de vampiro que dormiu com a luz acesa, é que seu chefe, muito satisfeito, o informa que ele já está apto a atender o povo tendo, logicamente, um suporte que lhe ajudará em suas dúvidas, representado por seu vizinho de mesa que se ocupará dele ao mesmo tempo em que se empenhará de seus próprios atendimentos. É neste exato momento que o pobre coitado inaugura a fase do pânico, também conhecido como batismo de fogo. Costumeiramente, ele é lançado no setor supostamente mais simples, o OI (orientação e informação) – totalmente desorientado e sem bagagem alguma de informações a oferecer.
Resignado e suando frio, o assustado servidor faz seus primeiros atendimentos, custa a entender o que o segurado deseja, quando entende a pergunta não sabe a resposta, pede socorro ao colega e só muito lentamente vai adquirindo firmeza e tranquilidade, aprendendo o serviço e tornando-se autossuficiente. Neste estágio, tendo que tomar para si a responsabilidade do que faz, começa a fazer uma e outra besteira mas só se dá conta delas no meio da noite, quando acorda assustado, lembrando daquilo que se esqueceu de fazer. Ou não. Então, adentra a fase da neura. Será que preencheu corretamente aquela certidão? Será que assinou o que não devia? Ou será que não assinou o que devia assinar? Mesmo sabendo que a quase totalidade dos erros cometidos podem ser corrigidos, a dúvida e a angústia corroem sua noite e o fazem se revirar na cama durante horas por achar ter praticado um equívoco imperdoável e essas preocupações o acompanharão por muito tempo ainda, provavelmente a vida inteira.
Esse quadro, a mais das vezes, descamba para uma fase obsessiva em que o inexperiente servidor confere inúmeras vezes o próprio trabalho para ver se não se esqueceu de nada. Num processo de aposentadoria, por exemplo, conta e reconta o tempo de contribuição umas dez vezes antes de finalizá-lo. E o pior, o faz mais algumas vezes depois de pronto pois nunca fica plenamente convencido de ter feito tudo certo e chega ao ponto de não parar de pesquisar erros até que encontre algum. Então entra em depressão achando que é incompetente, que faz tudo errado mesmo sendo o engano insignificante, não interferindo no resultado final da análise do processo.
Outro grande causador da falência mental do servidor e elemento mais citado neste manual, são os sistemas da Dataprev, em especial o CNIS. Apenas a insistência neste tema no presente blog já comprova a influência deletéria que os mesmos exercem sobre os servidores do INSS e que os conduz, diante de seu inevitável uso, a dois quadros igualmente perigosos: a catatonia, que leva a uma paralisação da vontade e dos sentidos, deixando o paciente inerte diante da iminência de ter que acessar o sistema, ou uma crise psicótica onde o servidor joga longe o monitor, chuta tudo o que vê pela frente e sai gritando pela agência até ser detido e encaminhado para o manicômio mais próximo. Logicamente há variações sutis e quase imperceptíveis desses ataques, com menos danos físicos, entretanto, com os mesmos efeitos mentais.
Felizmente para o servidor e para a saúde pública em geral, a natureza busca sempre uma cura para os seus distúrbios. É evidente, no entanto, que uma pessoa acometida sucessivamente por tais assédios psicológicos não pode retornar sem algumas pequenas sequelas à vida normal. É, então, que o servidor se torna um verdadeiro inssano, um ser ligeiramente alienado, que fala sozinho, ri sem motivo, costuma ter com seu colega, vítima dos mesmos males, uma agradável, porém, desconexa conversação, e, melhor que tudo, já não se importa mais com as cobranças feitas pela chefia, pelas acusações dirigidas por certos segurados, pela inacessibilidade dos sistemas ou por qualquer outra ameaça de que seja objeto. E assim, por via um tanto canhestra, o servidor readquire o equilíbrio mental. Ou não.