domingo, 25 de setembro de 2011

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS – 135



A Previdência Social oferece ao cidadão um canal remoto para que ele obtenha informações e faça agendamentos de benefícios sem  ter de se deslocar até uma agência do INSS.
O atendimento pelo 135, cuja ligação é gratuita para todo o país, à exceção de ligações feitas por celular, que aí já é abuso e desperdício de dinheiro público, é feito por atendentes terceirizados, altamente qualificados, com grande conhecimento de legislação previdenciária adquirida em sua fugaz passagem pela instituição.
O trabalho se caracteriza também pela boa vontade dos atendentes que acatam qualquer pedido do segurado fazendo todos os tipos de agendamento principalmente  para serviços que não são mais oferecidos como, por exemplo, simulação de tempo de contribuição, feito exclusivamente pela internet. Tal dificuldade é contornada com o  agendamento de qualquer outro benefício para o que o contribuinte apresente-se à APS, na hora aprazada, para ouvir diretamente do servidor do INSS que tal serviço é feito exclusivamente pela internet. Portanto, não se espante o colega se, algum dia, ao chamar um salário maternidade, apareça em sua frente um robusto senhor de meia idade cuja semelhança com uma parturiente reduza-se a uma exuberante pança proporcionada pela abundância de cerveja.  Ele colocará em seu guichê uma pilha de carnês e outra de carteiras profissionais e ficará indignado quando o servidor perguntar se ele pretende dar entrada no salário maternidade, benefício efetivamente agendado. E cabe ao infeliz servidor, sem o anteparo do anonimato nem de nenhum telefone, esclarecer, informar e acalmar o segurado, a essa hora irritadíssimo com a sua negativa em fazer a contagem de tempo por ele desejada.
Outro bom serviço prestado por esse canal remoto diz respeito à vanguarda da legislação quando o segurado obtém aprazíveis informações a respeito de cálculo de aposentadoria que ainda não foi e muito provavelmente nunca será implementado, como, por exemplo, que a soma de 50 anos de idade mais 10 de recolhimento perfazem 60 o que dá direito à aposentadoria por idade para as mulheres. Então, bem recomendada chega a senhora, sem idade mínima nem tempo bastante, e cabe a você, colega de lida e sofrimento, dar-lhe a má noticia, ouvir sua interlocutora argumentar que não obteve tal informação de um servidorzinho qualquer mas do 135, para então apaziguar seu chilique, secar-lhe as lágrimas e abanar-lhe a fronte.
Criado e incentivado pelos atendentes do 135  o Prevdente  consiste no “antes pecar por excesso que por falta” que faz com o cidadão compareça à agência munido de todos os documentos possíveis e imagináveis menos os indispensáveis para a obtenção do benefício pleiteado, como é o caso da viúva que, pretendendo dar entrada na pensão por morte do marido aposentado, traz, como solicitado pelo 135, todas as carteiras profissionais e carnês, tanto dela quanto dele, identidade, CPF, cartão do SUS, cartão de banco, carteira de vacinação, receita médica e remédio para tosse, esquecendo-se apenas da certidão de óbito do finado, porque não fora informada da necessidade de sua apresentação, de modo que é mais fácil a requerente deixar a agência  aposentada que pensionista o que, no fim das contas, não é de todo mau, embora inusitado.
Para neutralizar essa atrapalhada solicitude e elástica interpretação da legislação previdenciária sem que seja suspenso a atendimento telefônico, está sendo planejado a terceirização globalizada do serviço que passará a ser oferecido pelo 135000, localizado na China, o que em muito barateará o custo  do serviço além de não alterar substancialmente o seu resultado, a não ser que algum segurado entenda mandarim.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS – O ESOTERISMO


      Um servidor do INSS precisa, para manter sua inssanidade em níveis aceitáveis, sem muitas crises e abalos emocionais, passar por cursos iniciáticos de variada complexidade, formando, a reunião de todos, uma doutrina secreta dominada por poucos e sábios mestres, que transmitem seus conhecimentos herméticos a uma meia dúzia de escolhidos.
O primeiro curso a ser ministrado ao iniciante é o de karma yoga ou a yoga das ações desinteressadas. Este deve ser o princípio básico da relação do servidor do INSS com a instituição, com os segurados, a chefia e os sistemas da DATAPREV. O colega deve colocar todos os citados itens à frente do seu salário que deverá ser visto apenas como o efeito de boas causas realizadas.  Um exemplo são os sistemas com os quais trabalhamos diariamente cuja questionável funcionalidade se sofistica a cada dia sem que isso implique em correspondente melhoria de acessibilidade e manuseio. Tomemos por base o novo mimo que nos foi ofertado, o CNISPF. Este maravilhoso e conciso sistema parte do princípio de que não se deve acertar um cadastro em uma tela e 10 cliques se o pode fazer em três telas e 300 cliques, em moderníssimo e refinado estilo rococó cibernético. À primeira vista, ou seja, antes de realizado o curso de karma yoga, o servidor pode ficar um tanto irritado com toda essa frescura para se acertar um cadastro, com tantas exigências desnecessárias, entretanto, depois deste primeiro diploma, estará completamente adequado ao seu destino, sofrendo as agruras do dia a dia com absoluto desprendimento.
Outro curso bastante interessante que compõe o currículo do servidor esotérico é o de Faquirismo, através do qual ele se tornará apto a trabalhar alheio a certas premências fisiológicas que tanto incomodam certos gerentes, como a alimentação, as idas ao banheiro e os cafezinhos, podendo renunciar, assim,  ao horário de almoço e outras mais necessidades comezinhas, economizando as duas horas que o servidor costuma gastar diariamente em suas idas e vindas até suas fontes de nutrientes e alívios, ampliando, sobremaneira, a carga horária utilizada para o efetivo trabalho.
O módulo mais avançando destas experiências místicas é o de paranormalidade que inclui, entre outros aprimoramentos dos sentidos,  a telepatia e a vidência. A primeira facilita muito o relacionamento como o segurado que chega a APS sem saber explicar o que ali veio fazer uma vez que a comunicação por pensamento dispensa a relação verbal. É de enorme utilidade para o servidor que está distribuindo as senhas já que saberá exatamente para que setor encaminhar seu interlocutor mental de modo a agilizar a fila e  sem incorrer em erros de direcionamento.
Já a vidência é muito importante em atendimentos em geral onde ajudará o servidor a enxergar aquilo que só o segurado consegue ver sem aditivos paranormais como tempo de contribuição que não consta em sistema nem em CTPS, documentos não apresentados, entre outros. Ao mesmo tempo que o clarividente servidor vê o inescrutável, deixará de perceber as evidências contrárias às necessidades do cidadão como inclusões indevidas de vínculos no CNIS.
Ao fim deste último e mais valoroso curso, poderá  o ilustrado servidor se perguntar se estaria na autarquia caso tivesse desenvolvido anteriormente o dom da premonição, porém, este é um pensamento que o bom senso aliado aos conhecimentos recém-adquiridos logo afastará de sua mente.

  

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS – O CONCURSEIRO FELIZ



O felizardo concurseiro do INSS que percorreu, não sem ansiedade, o longo caminho que vai do edital até a nomeação tem toda a razão de estar em estado de graça em seus primeiros dias de trabalho, principalmente por ter se livrado, pelo menos momentaneamente, do incômodo neologismo que, em vários casos, o relacionava diretamente ao desemprego. Esse maravilhoso período se resume em uma exagerada boa vontade em relação a todo ser vivente que  circule pelo ambiente de trabalho seja ele colega, segurado ou mesmo o auto-denominado “consultor previdenciário” e dura, normalmente, até o recebimento do tão esperado primeiro salário, impiedosamente gasto em poucos dias,  momento em que ele percebe que os honorários não são assim tão bons quanto ele imaginava, não tanto pelo valor como pelo seu alto custo, constituindo esse  o seu primeiro choque com a realidade.
A partir de então, já acostumado com a rotina diária, mas ainda mantendo a alegria de servir, de onde se origina o substantivo de sua profissão, o neófito já consegue fazer certas distinções entre os colegas, a reconhecer os segurados mais assíduos e a achar um tanto cansativa a presença insistente dos tais “assessores previdenciários”, os quais já denomina, mentalmente, com adjetivos menos elaborados e não muito lisonjeiros. 
Bem sabemos que ninguém nasce com a vocação para servidor público desde as priscas eras em que o mesmo era representado em sua repartição apenas por um paletó  envolvendo o encosto da cadeira, que podia lá ficar por dias sem que se desse pela ausência de seu proprietário. Bons tempos aqueles... Hoje  os funcionários públicos, com invejáveis exceções, trabalham. E os servidores do INSS lotados nas agências trabalham em dobro uma vez que não podem ser divididos ao meio sem considerável perda de sua capacidade laborativa, o que facilitaria em muito a alocação do mesmo em mais de um setor de atendimento.
Depois de um semestre de luta contra os sistemas rebeldes que só funcionam quando e como  desejam  acrescidos às dificuldades de se lidar com uma clientela de variada complexidade e uma legislação em constante mutação, o servidor já está achando que precisa de um aumento – salarial, que o de trabalho é constante. Esse é o início da crise dos seis meses também conhecida como “as ilusões perdidas”. É nessa etapa de vida laboral que o servidor tem que se precaver para não se tornar um desiludido trabalhador e se identificar com os colegas mais antigos. Aconselha-se, então, a começar imediatamente um trabalho de recuperação da estima profissional enfrentando, com honra e galhardia, os problemas diários. Nessa fase inicial da crise abstenha-se de remédios controlados, use apenas,  e até quando for possível, calmantes fitoterápicos.
Se, ao completar um ano de serviços prestados à valorosa autarquia, ao invés de cederem, as tentações de esmurrar o computador ou, caso crítico, um segurado ou o seu equivalente representante, tenham quase se tornado irresistíveis, está na hora de procurar ajuda em algum comprimido mais eficaz. Não o arsênico, não cheguemos a tanto. Essa fase se denomina “as ilusões irremediavelmente perdidas”. É um período que se pode considerar definitivo na vida de um servidor do INSS. Ela se caracteriza, inicialmente, por consulta aos jornais de concursos públicos ou uma intensa vontade de tentar algo novo como, por exemplo,  virar camelô ou vendedor de amendoim em ponto de ônibus. Segue-se, então, um período de revolta, em que nenhum aumento salarial, nenhuma promessa amaina e o desejo de fuga e liberdade  o persegue constantemente como a um presidiário. E é esse significativo momento, em que ele passa a concordar com todos os detalhes descritos no presente manual,  o mais apropriado para dar uma reviravolta em seu destino.
Passada essa terrível fase, caso não tenha sucumbido à tentação de abandonar tudo,  o servidor já terá alcançado a estabilidade após os três anos de estágio probatório, e adentra a fase do desânimo, onde ainda se questiona, mas já com menos desespero, se vale mesmo a pena fazer outro concurso e talvez encontrar iguais dificuldades e frustrações e se teria forças para pedir uma exoneração e se aventurar por profissões mais lucrativas embora arriscadas. O servidor permanece nesta etapa por variável período de tempo, em permanente crise existencial, até passar à fase definitiva, a do marasmo absoluto, onde concorda com tudo, não discute, não questiona e não reclama tendo como objetivo unicamente a aposentadoria  e a liberdade que a acompanhará.