Os servidores do INSS são muitas vezes acusados de realizar seu trabalho com descaso, sem empatia com o segurado e sem amor ao próximo. Hoje nós iremos provar que isso não é verdade, que muitas vezes o cidadão tem um tratamento especial, baseado em atenção, respeito e carinho. De antemão pedimos desculpas à servidora utilizada como exemplo para a análise desta perspectiva pelo fato de invadirmos e expormos o recanto mais reservado de uma mulher que é, à falta de sua bolsa, o seu coração.
Seu Gumercindo era um bem apessoado cinquentão, alto, forte, moreno, de cabelos ainda negros, não se sabe se naturalmente ou com o auxilio de algum aditivo químico, com um furinho no queixo largo e um bigodinho fino com extremidades longas e curvadas para cima.
Tão logo Dona Conceição bateu os olhos naquele Clark Gable de bigodes de Salvador Dali, ficou momentaneamente paralisada de emoção. Alguma imemorial lembrança provocou um inesperado curto-circuito, porém e felizmente quase imperceptível para as pessoas à sua volta, com exceção do causador do efeito, que este, experiente conquistador, captou uma súbita ausência de sangue nas faces da seduzida e um leve tremor em suas miúdas mãos. Ele, então, sentou-se diante da servidora e, com uma voz forte e sonora de radialista, perguntou-lhe de que ela precisava. Diante de tal oferecimento, a servidora tornou-se rubra e se abanou antes de compreender que ele se referia à documentação necessária para dar entrada em sua aposentadoria.
Consciente da impressão causada, o sedutor segurado pensou encontrar ali um atalho para sua aposentadoria, imaginou que, pela simpatia alcançada, Dona Conceição se esmeraria em conceder-lhe rapidamente o benefício. E, para fortalecer o sentimento inicial, ele dizia que ela era muito gentil, elogiava o atendimento e, enquanto o fazia, enrolava uma das pontas do bigode. Ela ouvia encantada e revirava os olhinhos. Quando ele se foi, ela ficou suspirando e olhando para os retratos dele nas carteiras profissionais e, só então, deu-se conta de que não lhe dera o requerimento para assinar.
Se antes tal esquecimento a irritaria, desta vez fora motivo de satisfação. Teria mais uma oportunidade de se encontrar com o galante cidadão, ouvir aquela voz que a deixava sem ar e admirar a desenvoltura com que enroscava o dedo no comprido bigode.
Ele atendeu ao chamado extraindo da lapela e lhe ofertando um botão de rosa, inspiradoramente rubra ainda por cima. Dona Conceição não cabia em si de encantamento. Estava apaixonada. Andava pela agência sorrindo de um lado para o outro, fazia festinha em crianças choronas, não ligava se algum segurado lhe tratasse mal, não reagia a nenhuma provocação. Nem mesmo o CNIS lhe tirava o bom humor. Os colegas pensavam que ela andava pondo mais Prozac que Haldol no chá quando, na verdade, nem chá ela tomava mais.
Entretanto, Dona Conceição, guardiã do processo de Seu Gumercindo, não se resolvia a conceder muito embora ele já tivesse tempo de sobra para a sua aposentadoria. Volta e meia fazia uma exigência estapafúrdia só para trazê-lo de volta à sua mesa. Primeiro pediu que apresentasse a certidão de nascimento para a realização de acertos de dados cadastrais quando, na realidade, ela queria apenas certificar-se de que ele era mesmo solteiro, como ele lhe havia sugestivamente relatado. Depois se seguiram solicitações de documentos desnecessários que apenas protelavam a conclusão do serviço. A cada vez ele se aproximava, sem nunca deixar de fazer alguma insinuação charmosa embora estivesse cada vez mais ansioso e preocupado com a demora do serviço. Enfim, um dia, Seu Gumercindo resolveu abrir seu coração para a esperançosa servidora:
- Dona Conceição – disse ele, segurando a mão dela, repentinamente trêmula e gelada - eu não gostaria de lhe dizer isso assim desta forma nem nesta ocasião. Mas a verdade é que, eu conheci recentemente uma pessoa com a qual me encantei e com a qual quero me casar. Porém, não gostaria de me declarar sem saber que posso contar com o meu fundo de garantia para assegurar uma viagem de lua de mel. A senhora me entende?
Dona Conceição, acreditando ter entendido perfeitamente, piscou os olhos para guardar uma lágrima de emoção, e com a mão livre deu um carinhoso tapinha na mão de Seu Gumercindo e disse, em voz baixa:
- Tolinho...
E concedeu o benefício na mesma hora. Ele lhe beijou a mão, agradecido, disse que voltaria em breve com uma surpresa e saiu apressado. Dona Conceição passou três noites sem dormir, pensando em enxoval, festa, vestido de noiva, convidados e casamento, até que Seu Gumercindo, compareceu à agência para apresentar-lhe a noiva. Todas as cores do arco-íris estamparam o rosto de Dona Conceição antes de ela sofrer uma síncope e cair durinha no chão. Quando acordou, circundada pelos colegas, abanou-se e disse:
- Foi o chá, foi o chá. Andei abusando da camomila...
E mais não disse nem lhe foi perguntado mas, até hoje, seu pobre coração ainda dispara quando lhe aparece pela frente algum senhor que, seja pelo bigode, pela voz ou pelo furinho no queixo, lembre-lhe algum dos muitos encantos do senhor Gumercindo.