- 15h15min, não vem mais, pensou Dona Conceição, vou aproveitar para finalizar aquele processo.
Pegou o tal do processo, percorreu suas páginas, tudo parecia tranqüilo, a se encaminhar para o final feliz da concessão. Um a menos para pesar no famigerado IMA.
Assim distraída com o trabalho não percebera a presença de Seu José que, resfolegando, sentou-se quase à sua frente, num lugarzinho recém vago na agência lotada. Ele consultou o relógio - 15h20min - deu uma sonora cafungada para acomodar o muco nasal e cruzou os braços sobre o peito, em atitude pouco amistosa. Depois lançou um olhar de menosprezo crítico sobre os servidores, em especial sobre Dona Conceição, “aquela lá que não estava fazendo nada”.
- Titica - resmungou, em pensamento, Dona Conceição - tinha que ser múltipla atividade, e das cascudas, estava bom demais para ser verdade, resolver um processo entre dois atendimentos. Essa atividade é principal em relação esta mas secundária em relação àquela. Ou não. Sempre me embanano, daqui não saio...
- Concentrada assim, deve estar jogando paciência ou vendo o saldo bancário, porque trabalhando é que não está - pensou, mal humorado, Seu José.
E tanto olhou em sua direção que Dona Conceição sentiu um incômodo indefinido que a fez levantar a cabeça e olhar na direção de seu algoz mental, espiando por cima dos óculos, a sobrancelha esquerda erguida em sinal de indagação. Ele a desafiou com um olhar frio e duro, que lhe dizia: “pensa que está aí à toa e ninguém percebe?” Dona Conceição voltou ao trabalho mais irritada ainda.
- Aposto que ele está imaginando que eu estou aqui à toa, jogando paciência enquanto ele está esperando para ser atendido, quando, na realidade, estou aqui tentando resolver essa encrenca antes do próximo atendimento, protestou, silenciosamente, a servidora.
Consultou o relógio para verificar quanto tempo ainda tinha até o próximo agendamento: 10 minutos lhe restavam .
- Tá na hora de ligar para o namorado, é? - criticou o pensamento do segurado.
- Não vai parar de encarar, não, ô cara chato! - retrucou o pensamento de Dona Conceição. E continuou, mudando o tema: - Vou pedir para o Fulano me ajudar com esse PBC complicado e se levantou para cumprir a intenção.
- Ah, cansou de jogar e agora vai tomar um cafezinho...trabalhar que é bom, nada! – concluiu Seu José.
Sem maior divertimento, já que a atormentada Dona Conceição estava fora de alcance visual, Seu José consultou novamente as horas: 15h40min, “isso é um absurdo, já estou aqui há quase uma hora e ninguém me atende”. Começou a falar alto com o segurado que estava sentado ao lado, reclamou que não o cidadão não era respeitado, que estava esperando há mais de duas horas e ninguém o atendia. Entendeu que, assim sentando, causava pouco impacto e se levantou, aumentou o volume das críticas procurando alguma voz que fizesse coro com a sua, encontrou parceria numa voz feminina que logo se calou quando sua dona foi puxada pelo braço pelo ponderado marido. Tanto Seu José vociferou que a supervisora acudiu.
- Estou há quase três horas aqui esperando para ser atendido e olha que tenho hora marcada, estou agendado para as 15:00 h e já são quase 16:00h, isso é uma total falta de respeito, um afronta ao cidadão, existe uma lei que...foi interrompido pela servidora:
- O senhor pegou senha?
- Senha? - perguntou, o segurado, numa voz que foi baixando o tom enquanto cedia espaço para a vergonha - precisa pegar senha mesmo tendo hora marcada?
- Precisa, sim, senhor, dirija-se ao balcão, pegue sua senha e logo será atendido.
Dona Conceição, que não havia apreciado o espetáculo e que, portanto, nada sabia, resolvido o problema de seu processo, voltou para atender a aposentadoria que já havia chegado. Inocentemente imaginava que fosse o agendamento das 16:00h...
- Ah, não - pensou ela, ao ver Seu José se encaminhar em sua direção – é muito azar.
- Ah, foi preciso eu reclamar para que a mocinha aí resolvesse trabalhar, né? - resmungou o pensamento de Seu José, quando sentava diante da servidora.
Armada de seu mais gentil e artificial sorriso, Dona Conceição o recepcionou: - Boa tarde, Seu José, o senhor veio dar entrada em sua aposentadoria?, enquanto pensava: - Ah, se eu pego quem deu essa senha com uma hora de atraso!
Igualmente equipado de falsidade, um educadíssimo Seu José respondeu: - Vim, sim, minha senhora, acho que já está na hora, enquanto pensava: - se depender dessa daí, tô frito, aí é que não me aposento mesmo...