Todos
nós sabemos como a figura do Papai Noel mexe com o imaginário infantil.
Eventualmente pode ocorrer que o mesmo aconteça com pessoas cuja idade já não
enquadra mais na condição de criança. Este é o caso de Dona Conceição que,
embora cada uma de suas pernas já tenha há muito ultrapassado a maioridade,
continuava a sonhar em conhecer o bom velhinho.
- O de
verdade – repetia ela, inocentemente, a cada fim de ano.
Todo
mês de dezembro Dona Conceição era atacada por um violento espírito natalino
que a fazia distribuir diversas árvores de Natal pela APS, pendurar enfeites
nos computadores dos colegas e ornamentar as paredes com guirlandas coloridas.
Era também a única época do ano em que ela se tornava uma servidora dócil,
meiga e gentil, para deleite dos segurados. Tal transformação emocional não
passava despercebida pela chefia que se aproveitava de sua inusitada boa
vontade, e a colocava para atender todos os agendamentos de LOAS, para a
felicidade de todos os outros colegas. Qualquer inssano medianamente normal, entraria
em desespero com tal condenação, mas o grau de inssanidade de Dona Conceição
atingia o clímax no período pré-natalino.
E qual
não foi o seu espanto e felicidade, às vésperas do Natal, em atender
pessoalmente o Papai Noel! Vinha o bom velhinho, com sua enorme barba branca, os
tradicionais gorro e traje vermelho e uma enorme bengala, acompanhado de um “assessor
previdenciário”, termo científico para designar o popular catador de papel. Dona Conceição
ficou tão encantada que chegou mesmo a se levantar e olhar para fora para ver
se avistava o trenó com as renas. Felizmente seu delírio a poupou dessa infame miragem.
Quando
Papai Noel sentou-se à frente de Dona Conceição, ela começou tremer de emoção.
-Ho Ho
Ho – fez o Papai Noel e lhe ofereceu uma bala de papel colorido, que a
servidora aceitou muito emocionada.
Enquanto
esclarecia que Papai Noel não pudera trabalhar de carteira assinada porque
esteve sempre a serviço das crianças, o
acompanhante entregou à servidora uma carteira de identidade de
estrangeiro. Os seguintes dados ali estavam impressos: Papai Noel, filho de
Vovó Noel, nascido na Noruega em 1812 e com data de chegada ao Brasil em 2013.
Não
havia dúvida de que o clima setentrional mantinha a cútis em belíssima forma,
pois o velhinho não aparentava ter mais do que quarenta anos.
- Mas,
Papai Noel, o senhor não é naturalizado brasileiro! Então, não tem direito a
LOAS. – lamentou-se Dona Conceição.
- Não,
não – interveio o acompanhante – ele tem essa outra identidade aqui.
A servidora analisou os dados do novo
documento, este de cidadão brasileiro.
- Essa
carteira aqui diz que o senhor só tem 43 anos, então só vai ter direito ao LOAS
se for deficiente.
- Não,
não – interrompeu novamente o catador de papel – essa identidade é minha, a
dele é esta outra aqui.
- O
senhor também se chama Papai Noel? – perguntou Dona Conceição para o
acompanhante, intrigada e levemente desconfiada de que havia ali alguma coisa
um tanto suspeita.
- Não,
não, meu nome é Pedro Manoel, a senhora se enganou ao ler.
-
Hum... – fez Dona Conceição recuperando um pouco da razão e desconfiança
habituais.
- Papai
Noel, preciso de sua certidão de nascimento. Ou o senhor é casado?
- Non,
non, meu filha, eu ser solteiro. Sempre preferir os criancinhas – respondeu
ambiguamente e com sotaque carregado o bom velhinho.
E
enquanto negava, virava o rosto de um lado para o outro e, com esse movimento
lateral, deslocava a imensa barba branca e deixava entrever uma rala barbicha
escura.
Hum...
– resmungou Dona Conceição que se lembrou que conhecia este rosto há muitos
Natais, mais precisamente distribuindo balas à criancinhas que visitavam o shopping que ela costumeiramente
frequentava.
- O
senhor precisa apresentar também um comprovante de residência em seu nome.
- Eu
non ter, non, eu morar num quartinho na terreno do casa desta senhor que me
acompanha. – respondeu Papai Noel, mostrando estar já bastante aclimatado aos
costumes nacionais.
- Bom –
disse a servidora - vou abrir exigência para o senhor apresentar todos os
documentos necessários...
- A
senhora non está se comportando bem,
assim non vai ganhar presente nesta Natal. Palavra de Papai Noel... –
reclamou o pobre velhinho.
Ao que
respondeu Dona Conceição:
- E o
senhor, se não se comportar bem e apresentar a documentação exigida, não vai
ganhar LOAS nenhum. Palavra de Dona Conceição.