domingo, 8 de fevereiro de 2015

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS – A PRESIDENTE

Dona Conceição, após árdua e vitoriosa campanha, foi empossada a primeira presidente do INSS eleita pelo voto direto dos servidores, amplamente apoiada pelos colegas da excelente autarquia. Entretanto, mal despiu a burca da posse e os problemas assomaram de tal forma que imediatamente compreendeu o motivo de ter sido candidata única a tão elevado posto. Logo ficou sabendo que o INSS estava participando do programa econômico Verba Zero, o que significava que a instituição teria que se manter sem receber dinheiro algum e, ainda por cima, realizar um imenso lucro a fim de tapar o rombo da Previdência. Isso foi o suficiente para lhe estragar a noite de sono. Tentou contar carneirinhos para relaxar e dormir, porém, como não tinha nenhuma experiência pastoril, a empresa não frutificou. O rebanho balia muito alto, as ovelhas tropeçavam na cerca e, de vez em quando, aparecia no meio algum bode com seu longo cavanhaque a desestabilizar a harmonia do bucólico conjunto. Dona Conceição só alcançou o objetivo almejado quando se viu em seu próprio elemento, contando mentalmente uma a uma as páginas de um processo de aposentadoria bastante rechonchudo, com direito a uma reclamatória trabalhista de 895 páginas, o que levou mais de quatro horas, e só depois de devidamente concedido o benefício e que conseguiu adormecer, pois a nossa presidente é uma pessoa bastante minuciosa e empenhada em suas tarefas. Entretanto seu sono foi curto e agitado e logo acordou, assustada, acreditando ter cometido algum engano na análise do processo ilusório e reviveu o horror com que a IN 74 assombrara os seus últimos dias como servidora da linha de frente, o que a impediu de reconciliar o sono. E agora que pensava que ia ter vida mansa no posto mais elevado da carreira, eis que tinha que resolver todos os problemas do Instituto. Pensou até em renunciar, mas não quis desapontar os seus três eleitores permaneceu firme em sua função.
Em seu primeiro dia no honorável cargo Dona Conceição, sozinha em seu gabinete presidencial, começou a dar tratos à bola para seguir as determinações governamentais citadas acima. Para angariar fundos imaginou cobrar uma taxa de permanência na agência, assim como se faz nos estacionamentos. Crianças pagariam meia entrada, mas os idosos, não, porque eram a maioria e basicamente se contava com eles para o abastecimento pecuniário. Procuradores, evidentemente, pagariam em dobro. Com o numero de servidores diminuindo a cada dia, o tempo de espera pelo atendimento aumentaria sobremaneira, ampliando o lucro. Depois pensou que essas taxas iriam diminuir o fluxo dos segurados, o que seria muito bom para os servidores, porém ruim para o caixa da instituição. Então, para suprir a deficiência de público pagante, resolveu cortar pela metade os seguranças. Essa seria uma boa economia salarial, porém deixaria os servidores, especialmente os peritos, expostos aos imprevistos do nervosismo de algum segurado. Por isso seria importante para que os poucos guardas restantes suprissem a necessidade, que investissem numa estética mais agressiva como para ter uma aparência ameaçadora como, por exemplo, deixar a barba crescer até onde Alá prouvesse. Evidentemente o efeito seria positivo porque nenhum segurado, por mais revoltado que estivesse, iria se meter a fazer arruaça na agência, entretanto isso também faria com que muito segurado pacato abdicasse o seu direito ao extrato de consignação, resultando em mais uma queda na arrecadação tributária. Tanto a cobrança de taxas quanto a aparência pouco amistosa dos seguranças resultariam na diminuição do fluxo e a consequente redução de trabalho dos servidores. Por isso, Dona Conceição, concluiu que, para economizar e atenuar ‘o buraco na camada de ozônio’, como eufemisticamente chamava o rombo nas contas do INSS, seria bom demitir o pessoal da limpeza e delegar suas tarefas para os agora desocupados servidores que já estavam mesmo acostumados com o constante desvio de função.

Dona Conceição começou a fazer contas levando em consideração tais providências; entra tanto por aqui, sai tanto por ali, recebe isso, gasta aquilo e rombo parecia inalterável. Acabou se decidindo a deixar a ortodoxia matemática de lado e solicitou uma consultoria com um renomado numerólogo que sugeriu que se interpusesse o sinal de + entre as colunas de débito e crédito e somasse tudo e, incrível, esta pequena interferência contábil resolveu todos os problemas, presentes e futuros, podendo ser anuladas todas as alterações anteriormente planejadas. E assim, esta singela modificação na planilha deixou todo do jeito que estava e levou Dona Conceição a ser aclamada a gestora do ano. Foi mesmo uma pena que, exatamente neste momento de júbilo, tenha tocado o despertador.

2 comentários:

  1. Tanto em sonho quanto na realidade, Dona Conceição tá ferrada rs

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  2. Engraçado que, qualquer semelhança com a realidade - futuras instalações de vigilância eletrônica e corte de gastos com limpeza, é mera coincidência!
    Discutíamos entre colegas sobre venda de imóveis e estadia em casa de parentes para adesão a greve, porém, já há esperança de não haver corte de salário, pois já ficamos sabendo que teve APS que parou de trabalhar por falta de pagamento da conta de energia elétrica!

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