Ah!
Ah! O tão esperado
teletrabalho. Na tranqüilidade do recesso do lar, entre um gole bem gelado de
cerveja e outro, vão sendo analisados os processos. É claro que existem pequenos
percalços no caminho, mas que nem de longe tornam menos gratificante o labor
residencial. O bebê que engatinha pela casa e puxa a tomada do computador. É só
colocá-lo no berço e refazer a conexão do aparelho. E depois tirar o gato de
cima do teclado. Cuidado para não derrubar a cerveja! Ih! Fique calmo. Não é
nada que um pano seco não resolva. Com exceção do teclado. E daquela cadeira
hiper-ergométrica, caríssima e recomendada pelos especialistas. Bom, essa
primeira meia hora de trabalho não foi das mais produtivas, porém você tem o
dia inteiro pela frente para cumprir sua meta. Pena que o sistema caiu. Você
está atrasado. Não entre em pânico! Tudo vai dar certo. Talvez tenha que se
abster de uma refeição decente e se contentar com um sanduíche ou se privar da
soneca da tarde. Mas valerá a pena. Apenas torça para a conexão não cair depois
que a luz voltar.
A primeira
possibilidade reside em se afastar mentalmente daquele segurado que começa a
falar desaforos e gritar com você. Imagine-se em um belo campo de papoulas no
Afeganistão, todas vermelhinhas, oscilando suavemente à brisa matinal. Enquanto
faz essa poética viagem imaginária, você deverá ficar balançando a cabeça em
sinal afirmativo, feito aquele bonequinho de mola quando salta de sua caixinha
assim que ela é aberta. Se, em meio ao seu transe, perceber que o segurado está
muito agitado, sacudindo as mãos, como a solicitar uma maior
participação sua
no até então fora um monólogo, você deverá incluir algumas afirmativas
enfáticas para acalmá-lo tais como: Sim, aham, exatamente, isso mesmo, o/a
senhor/a tem toda a razão, enquanto
imagina um par de pétalas se soltando do caule, unidas em forma de borboleta,
flutuando rumo ao céu azul. E torça para que tenha um retorno suave à dura
realidade e veja vazia a cadeira diante de si e que não seja despertado por uma
guardachuvada no coco.
Outra forma vivenciar
a experiência do teletrabalho durante o atendimento ao público se oferece quando
um segurado entra com um pedido de recurso porque o seu requerimento de
aposentadoria por tempo de contribuição foi indeferido por terem sido apurados
apenas 11 anos de contribuição e ele quer comprovar que tem 42; ou quando o
aposentado por invalidez pede uma revisão porque pretende transformar uma
esquizofrenia paranoide em uma dor lombar. Em ambos os casos basta apenas dar
um suplemento extra de papel para que eles esclareçam e orientem o analista de como
se darão tais milagres. Isso resultará no mínimo em uma hora de liberdade,
tempo suficiente para fazer uma pipoca de microondas, tomar café, ir ao
banheiro, dar uma espiada no celular e puxar um ronco.
Outro método bastante
eficiente, embora não muito recomendável, é chegar ao trabalho etilicamente
calibrado ou farmaceuticamente amparado, conforme esteja em sua fase maníaca ou
depressiva. No primeiro caso, você tornar-se-á efusivo e bem humorado, falará
de sua vida mais do que ouvirá as queixas dos segurados, não resolverá nenhum
problema apresentado, mas se divertirá bastante. Isso poderá resultar em
algumas referências na ouvidoria, mas terá valido a pena. Já no segundo caso,
igualmente agradável, você se manterá virtualmente distante de qualquer
possível ataque oral perpetrado por um segurado exaltado. As palavras
circundarão sua cabeça sem penetrar no seu cérebro, que estará confuso e
arredio, portanto inalcançável. Você tentará fixar o olhar na pessoa a sua
frente, mas seus olhos não conseguirão se manter abertos por muito tempo sem
dar demoradas piscadas. Esse seu comportamento também poderá resultar em
algumas reclamações na ouvidoria, mas você se manteve tranquilo e sem
aborrecimentos, e isso é o que é importante.
Entretanto, se você
quiser radicalizar a sua atitude e partir para o embate, verbal e físico, com o
seu oponente, falar aquelas verdades contrárias à vontade do ouvinte, dizer que
11 anos nunca se transformarão em 42 e que esquizofrenia não se torna dor
lombar em hipótese nenhuma, levar uns tabefes e, ato contínuo, retribuí-los com
igual vigor, então, colega, você terá alcançado o ápice de sua carreira de
servidor público. Receberá como passaporte para a liberdade um CID F e, a
partir de então, nada mais de trabalho, nem presencial nem à distância.
Teletrabalho ao chopp gelado é tudo o que eu quero na vida rsrsrs
ResponderExcluirAi, to no Cid F já, mesmo de corpo presente, trabalho não tem mais mesmo aquela relevância
ResponderExcluirCid F aqui também =/ atender esta esta vez mais gratificante. Concordar já não resolve mais. Mandar o segurado ir pra Justiça já não resolve mais. Eles querem ver o Money ou nosso sangue
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