quinta-feira, 23 de maio de 2013


                           
       GRUPO  INSSena
                    APRESENTA

  UM NOVATO NO BALCÃO*


                                    (Tragicomédia em três atos)

Personagens:
Servidor novato,  sozinho em seu primeiro dia de atendimento, a princípio, entusiasmado como um animador de programa de auditório, com a cabeça plena de legislação e prática nenhuma.
Dona Maria
Dona Luzia
Dona Zuleica e oito crianças
                                                           Local: uma APS lotada
      
                      Primeiro ato– Atendimento simples

Servidor: Bom dia, Dona Maria. Em que posso lhe ser útil?

Dona Maria: Vim pegar o papel pra viagem.

Servidor (um pouco embaraçado): Que papel pra viagem, senhora?

Dona Maria: O papel que a gente precisa pegar pra viajar.

Servidor: Papel que a gente precisa pra viajar... Seria uma passagem?

Dona: Deve ser. Sempre uso ele pra viajar de ônibus pra outra cidade.

Servidor (incrédulo): A senhora costuma comprar passagens de ônibus aqui?

Dona Maria: Não pago nada, não, moço. Pego de graça.

Servidor (bastante desconfiado): Queira ter a gentileza de aguardar cinco minutos (sai em busca de informações  deixando Dona Maria a tamborilar os dedos sobre a mesa).

Servidor (animado): Pronto, Dona Maria, já estou de volta. O que a senhora deseja é um discriminativo de crédito onde consta o valor de integral de seu benefício, seus empréstimos consignados e o valor líquido que recebe a fim de garantir a gratuidade de passagens de ônibus intermunicipais e interestaduais, não é mesmo?

Dona Maria (um pouco impaciente): É, moço, deve ser isso mesmo.

Servidor (com ar de triunfo): Um minuto, um minuto  que já lhe entrego.

               Segundo ato – Pensão por morte

Servidor: Bom dia, Dona Luzia, a senhora veio dar entrada na pensão?

Dona Luzia (suspirando): Vim sim, meu filho.

Servidor: E quem foi que morreu, minha senhora?

Dona Luzia: O Berico, meu velho.

Servidor: Seu esposo?

Dona Luzia: É.

Servidor: Então eu vou precisar da certidão de casamento, de óbito e a identidade e CPF de vocês dois.

Dona Luzia (mostrando a papelada): Tá tudo aqui, ó.

Servidor (examinando a certidão de casamento): Aqui na certidão de casamento diz Luiza e não Luzia.

Dona Luzia: É,  é a Luiza, aquela sirigaita.

Servidor: Então o Seu Alberico não era casado com a senhora?

Dona Luzia: Foi também. Nós casamos em 1956, depois ele largou de mim, eu larguei dele, porque ele era muito sem-vergonha. Aí eu conheci o Albertino e fui morar com ele. Berico foi viver com a Luzineide. Daí a Luzineide morreu e eu me separei  do  Albertino e voltei a viver com o Berico. Mas ele era muito do sem-vergonha mesmo e andou de assanhamento com a Luzimara, daí eu pedi desquite, não aguentei mais aquele velho assanhado, que não podia ver  uma barra de saia. Daí eu conheci o Albino, o Alberto, o Albertone e uns outros que eu já nem me lembro mais o nome nem a ordem de chegada. Tudo isso pra esquecer o sem-vergonha do Berico. Daí o Berico se casou com a sirigaita de Luiza. Acho que fez até de propósito, por causa do nome. Aí ele ficou doente e a Luiza foi embora e eu voltei a morar com ele.

Servidor: Bom, se a senhora não estava atualmente casada com o Seu Alberico, devido à anterior separação judicial, vai ter que comprovar a união estável. O que a senhora pode apresentar para provar que estava morando com o falecido?

Dona Luzia (pondo, orgulhosamente, uma guimba de cigarro sobre a mesa): O primeiro cigarro que nós fumamos juntos, em 1955. Olha só, tem até a marca do batom.

Servidor (um tanto confuso): A senhora não tem nada mais recente?

Dona Luzia: Não. Parei de fumar desde que tive pneumonia. Começou assim com uma tosse comprida; tossia, tossia que não acabava nunca, sabe? Depois tive febre, fui parar no hospital, de lá pra cá não fumei mais. Fiquei com o  pulmão fraco.

Servidor: Não me refiro a cigarros, mas a documentos, papéis...

Dona Luzia: Cigarro é papel, ora. É só tirar o recheio que fica sendo só o papel. Nem filtro tinha naquela época; era tudo mata-rato.

Servidor: Receio, senhora, que cigarros não entrem no rol dos documentos que possam levar à convicção do fato a comprovar, qual seja, sua união estável com o seu Alberico.

Dona Luzia (esticando um papel para o servidor): Isso aqui ele me escreveu em 1962, quando nós estávamos separados e ele queria voltar. Olha com ele era romântico (lê): “Lulu, meu bem/Eu sou o seu Berico/Não me queira mal, me queira bem/ Não me trate como um penico.” Tinha alma de poeta o meu Berico (suspira).

Servidor: Dona Luzia, receio que esse documento também não sirva...

Dona Luzia (indignada, cortando a explicação do interlocutor): É papel e é mais novo que o cigarro. Por que o senhor complica tanto? Velho vocês tratam assim, né? Sem consideração nenhuma (começa a chorar). Sofri tanto na vida e agora vou ter que ir pra debaixo da ponte porque o senhor não quer me dar a pensão, que é direito meu. Como é que o senhor acha que eu vou viver recebendo só um amparo a idoso? Um salário mínimo só. E sem décimo terceiro. ( Em tom de ameaça): Não tem problema não, eu vou entrar na justiça. Vou falar com meu advogado. Ele bem que me avisou que aqui no INSS nunca dão nada pra gente, nunca reconhecem o nosso direito (gritando): Eu não vim pedir esmola, não. Eu tenho direito. Mais de 50 anos aguentando aquele velho safado, que não podia ver mulher sem correr atrás, e agora vem o senhor achando que sabe mais do que eu de minha vida. Eu vou chamar a polícia para prender o senhor. Vai todo mundo aqui pra cadeia. Eu quero falar com o chefe! Não tem chefe aqui nessa bagunça, não? Vocês são é um bando de vagabundos, que não respeitam ninguém.

Terceiro ato – LOAS

Servidor (fazendo cara de pavor ao ver se aproximarem Dona Zuleica e oito saltitantes pirralhos, um dos quais empunhando um saco de biscoito de milho, desses cujo paladar se concentra unicamente no olfato, porque tem muito cheiro e gosto nenhum).

Servidor: Boa Tarde, Dona Zuleica. A Senhora preencheu o requerimento?

Dona Zuleica: Tá tudo aqui (põe uma pilha de papéis na mesa).

Servidor (lendo, desolado, o formulário de composição do grupo familiar onde constam a requerente e onze filhos): E o pai das crianças, não mora com vocês?

Dona Zuleica: De qual delas?

Servidor: De qualquer uma.

Dona Zuleica: Não. Uns tão preso, outros não sei onde tão. Mas o senhor sabe que nunca ganhei o tal  do auxilio reclusão? Eu tenho direito e vocês nunca me deram. Agora então estou tentando isso aí porque tenho pressão alta e não posso trabalhar. (para uma das crianças): Menino, não joga meleca no chão. Que porcaria! Limpa na brusa!

Servidor (analisando as certidões de nascimento da criançada): Eu estou vendo aqui que tem umas crianças que não são seus filhos...

Dona Zuleica: Ué, tem? Quem?

Servidor: O  Deividi Uoxinton, por exemplo, é filho da Zulmira.

Dona Zuleica: Ah, Zulmira é minha mãe.

Servidor: Nesse caso ele é seu irmão. Tem que corrigir aqui no formulário. E o Maicojéquison também não é seu filho...

Dona Zuleica: Ué, não é não?

Servidor: Consta aqui que ele é filho de Lucivando e Vandalucia.

Dona Zuleica: Ah, é mesmo. Lucivando é o pai do Rolescleison, vê aí se não é.

Servidor: Correto! Do Lucivando e da senhora.

Dona Zuleica: Ué, é meu? Desse eu tinha se esquecido...

*Esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência. (Nota do autor)
















                    

15 comentários:

  1. Caramba! É assim mesmo ou é pura ficção? Assim até dá medo de pedir meu benefício previdenciário. Será que eu também terei que enfrentar essas feras?

    ResponderExcluir
  2. Por que tem que ter aprovação? É muita burocracia que tem neste país dos moluscos!

    ResponderExcluir
  3. kkkkkkkkkkkk.... rachei!!!!
    Manu, vc só faz melhorar!
    Nossa, quando lembro do meu início até me arrepio.... cruz credo!!!

    ResponderExcluir
  4. Kkkkkk so .rindo mesmo.pq.nessas horas ai da vontaDe De chorar

    ResponderExcluir
  5. Ri muito!!! E ainda temos que fazer isso e muito mais em meia hora...temos que ser rápidos, pacientes, minuciosos quanto à documentação, alertas quanto à falsificação dela, bons ouvintes e até psicólogos às vezes. Nessa tragédia comica (tem acento), torcemos para não engessar o nosso atendimento, tendo bom senso, mas seguir padrões fora muitas vezes da realidade fica difícil até desempenhar nosso papel do jeito que queríamos quando entramos. Histórias engraçadas (depende do seu senso de humor) percorrem nosso cotidiano...

    ResponderExcluir
  6. Nossa! Um blog com uma aparência tão bonita e uma pessoa que escreve tão bem por trás e uns textos tão vazios! Deve ser de uma cabeça vazia!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pessoa sem senso de humor...
      Deve ser um chato e mau humorado.

      Excluir
    2. Concordo plenamente. Trabalho com Loas e é isso mesmo q acontece. Se a gente não rir da situação (da nossa) pra dar uma aliviada, ficaremos loucos mais rápido do que o previsto.
      Eu me divirto muito com esse blog!!!

      Excluir
  7. O anônimo "crítico" deve ser chefe ou trabalha na área meio (SRD ou AADJ)......

    ResponderExcluir
  8. Adorei ... igualzinho igualzinho ...

    ResponderExcluir
  9. Nossa, ai é quase uma leitura do meu cotidiano, rsrsrs!Você escreve muito bem. Já li alguns textos mas este é o primeiro comentário. Eu só acrescentaria que no caso do LOAS, a documentação está misturada com copias de bula de remedio, cartões de vacina e cópias... muitas cópias de certidões, rsrsrs!

    ResponderExcluir
  10. Beleza também é quando você atende uma pensão e descobre que a requerente "voltou" a viver com o falecido tempos antes dele embarcar, mas na época em que requereu o LOAS que você descobriu no PESCPF numa APS a 300 km de distância declarou estar separada e reclama que não pode manter os dois benefícios e o doutor falou que "tem direito" e pergunta se não tem aposentadoria pra filha que é bipolar, etc, etc, etc...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Kkkkkkkkkkkkk e a nova moda agora? Beneficiário de LOAS morre e familia entra na justiça p/ tentar pensao! Qro ver qm vai ser o juiz estupido q vai conceder kkkkkk!

      E as q fizeram declaraçao de separaçao em cartorio p/ conseguir LOAS e qnd suposto ex-marido morre surge dizendo q a separaçao foi de poucos meses!
      PQP literalmente e c/ td o respeito!

      Excluir