GRUPO INSSena
APRESENTA
UM NOVATO NO
BALCÃO*
(Tragicomédia em três
atos)
Personagens:
Servidor novato,
sozinho em seu primeiro dia de atendimento, a princípio, entusiasmado
como um animador de programa de auditório, com a cabeça plena de legislação e
prática nenhuma.
Dona Maria
Dona Luzia
Dona Zuleica e oito crianças
Local: uma APS lotada
Primeiro ato– Atendimento simples
Servidor: Bom dia, Dona Maria.
Em que posso lhe ser útil?
Dona Maria: Vim pegar o papel
pra viagem.
Servidor (um pouco embaraçado):
Que papel pra viagem, senhora?
Dona Maria: O papel que a gente
precisa pegar pra viajar.
Servidor: Papel que a gente
precisa pra viajar... Seria uma passagem?
Dona: Deve ser. Sempre uso ele pra viajar de ônibus pra
outra cidade.
Servidor (incrédulo): A senhora costuma comprar passagens de
ônibus aqui?
Dona Maria: Não pago nada, não,
moço. Pego de graça.
Servidor (bastante
desconfiado): Queira ter a gentileza de aguardar cinco minutos (sai em busca de
informações deixando Dona Maria a
tamborilar os dedos sobre a mesa).
Servidor (animado): Pronto,
Dona Maria, já estou de volta. O que a senhora deseja é um discriminativo de
crédito onde consta o valor de integral de seu benefício, seus empréstimos
consignados e o valor líquido que recebe a fim de garantir a gratuidade de
passagens de ônibus intermunicipais e interestaduais, não é mesmo?
Dona Maria (um pouco
impaciente): É, moço, deve ser isso mesmo.
Servidor (com ar de triunfo):
Um minuto, um minuto que já lhe entrego.
Segundo ato – Pensão por morte
Servidor: Bom dia, Dona Luzia,
a senhora veio dar entrada na pensão?
Dona Luzia (suspirando): Vim
sim, meu filho.
Servidor: E quem foi que
morreu, minha senhora?
Dona Luzia: O Berico, meu
velho.
Servidor: Seu esposo?
Dona Luzia: É.
Servidor: Então eu vou precisar da certidão de casamento, de
óbito e a identidade e CPF de vocês dois.
Dona Luzia (mostrando a papelada): Tá tudo aqui, ó.
Servidor (examinando a certidão de casamento): Aqui na
certidão de casamento diz Luiza e não Luzia.
Dona Luzia: É, é a
Luiza, aquela sirigaita.
Servidor: Então o Seu Alberico
não era casado com a senhora?
Dona Luzia: Foi também. Nós
casamos em 1956, depois ele largou de mim, eu larguei dele, porque ele era
muito sem-vergonha. Aí eu conheci o Albertino e fui morar com ele. Berico foi
viver com a Luzineide. Daí a Luzineide morreu e eu me separei do
Albertino e voltei a viver com o Berico. Mas ele era muito do
sem-vergonha mesmo e andou de assanhamento com a Luzimara, daí eu pedi
desquite, não aguentei mais aquele velho assanhado, que não podia ver uma barra de saia. Daí eu conheci o Albino, o
Alberto, o Albertone e uns outros que eu já nem me lembro mais o nome nem a
ordem de chegada. Tudo isso pra esquecer o sem-vergonha do Berico. Daí o Berico
se casou com a sirigaita de Luiza. Acho que fez até de propósito, por causa do
nome. Aí ele ficou doente e a Luiza foi embora e eu voltei a morar com ele.
Servidor: Bom, se a senhora não
estava atualmente casada com o Seu Alberico, devido à anterior separação
judicial, vai ter que comprovar a união estável. O que a senhora pode
apresentar para provar que estava morando com o falecido?
Dona Luzia (pondo,
orgulhosamente, uma guimba de cigarro sobre a mesa): O primeiro cigarro que nós
fumamos juntos, em 1955. Olha só, tem até a marca do batom.
Servidor (um tanto confuso): A
senhora não tem nada mais recente?
Dona Luzia: Não. Parei de fumar
desde que tive pneumonia. Começou assim com uma tosse comprida; tossia, tossia
que não acabava nunca, sabe? Depois tive febre, fui parar no hospital, de lá
pra cá não fumei mais. Fiquei com o
pulmão fraco.
Servidor: Não me refiro a
cigarros, mas a documentos, papéis...
Dona Luzia: Cigarro é papel,
ora. É só tirar o recheio que fica sendo só o papel. Nem filtro tinha naquela
época; era tudo mata-rato.
Servidor: Receio, senhora, que
cigarros não entrem no rol dos documentos que possam levar à convicção do fato
a comprovar, qual seja, sua união estável com o seu Alberico.
Dona Luzia (esticando um papel
para o servidor): Isso aqui ele me escreveu em 1962, quando nós estávamos
separados e ele queria voltar. Olha com ele era romântico (lê): “Lulu, meu
bem/Eu sou o seu Berico/Não me queira mal, me queira bem/ Não me trate como um
penico.” Tinha alma de poeta o meu Berico (suspira).
Servidor: Dona Luzia, receio
que esse documento também não sirva...
Dona Luzia (indignada, cortando
a explicação do interlocutor): É papel e é mais novo que o cigarro. Por que o
senhor complica tanto? Velho vocês tratam assim, né? Sem consideração nenhuma
(começa a chorar). Sofri tanto na vida e agora vou ter que ir pra debaixo da
ponte porque o senhor não quer me dar a pensão, que é direito meu. Como é que o
senhor acha que eu vou viver recebendo só um amparo a idoso? Um salário mínimo
só. E sem décimo terceiro. ( Em tom de ameaça): Não tem problema não, eu vou
entrar na justiça. Vou falar com meu advogado. Ele bem que me avisou que aqui
no INSS nunca dão nada pra gente, nunca reconhecem o nosso direito (gritando):
Eu não vim pedir esmola, não. Eu tenho direito. Mais de 50 anos aguentando
aquele velho safado, que não podia ver mulher sem correr atrás, e agora vem o
senhor achando que sabe mais do que eu de minha vida. Eu vou chamar a polícia
para prender o senhor. Vai todo mundo aqui pra cadeia. Eu quero falar com o
chefe! Não tem chefe aqui nessa bagunça, não? Vocês são é um bando de
vagabundos, que não respeitam ninguém.
Terceiro
ato – LOAS
Servidor (fazendo cara de pavor
ao ver se aproximarem Dona Zuleica e oito saltitantes pirralhos, um dos quais
empunhando um saco de biscoito de milho, desses cujo paladar se concentra
unicamente no olfato, porque tem muito cheiro e gosto nenhum).
Servidor: Boa Tarde, Dona
Zuleica. A Senhora preencheu o requerimento?
Dona Zuleica: Tá tudo aqui (põe
uma pilha de papéis na mesa).
Servidor (lendo, desolado, o
formulário de composição do grupo familiar onde constam a requerente e onze
filhos): E o pai das crianças, não mora com vocês?
Dona Zuleica: De qual delas?
Servidor: De qualquer uma.
Dona Zuleica: Não. Uns tão
preso, outros não sei onde tão. Mas o senhor sabe que nunca ganhei o tal do auxilio reclusão? Eu tenho direito e vocês
nunca me deram. Agora então estou tentando isso aí porque tenho pressão alta e
não posso trabalhar. (para uma das crianças): Menino, não joga meleca no chão.
Que porcaria! Limpa na brusa!
Servidor (analisando as
certidões de nascimento da criançada): Eu estou vendo aqui que tem umas
crianças que não são seus filhos...
Dona Zuleica: Ué, tem? Quem?
Servidor: O Deividi Uoxinton, por exemplo, é filho da
Zulmira.
Dona Zuleica: Ah, Zulmira é
minha mãe.
Servidor: Nesse caso ele é seu
irmão. Tem que corrigir aqui no formulário. E o Maicojéquison também não é seu
filho...
Dona Zuleica: Ué, não é não?
Servidor: Consta aqui que ele é
filho de Lucivando e Vandalucia.
Dona Zuleica: Ah, é mesmo.
Lucivando é o pai do Rolescleison, vê aí se não é.
Servidor: Correto! Do Lucivando
e da senhora.
Dona Zuleica: Ué, é meu? Desse
eu tinha se esquecido...
*Esta é uma obra de ficção
e qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência. (Nota do
autor)
Caramba! É assim mesmo ou é pura ficção? Assim até dá medo de pedir meu benefício previdenciário. Será que eu também terei que enfrentar essas feras?
ResponderExcluirPor que tem que ter aprovação? É muita burocracia que tem neste país dos moluscos!
ResponderExcluirkkkkkkkkkkkk.... rachei!!!!
ResponderExcluirManu, vc só faz melhorar!
Nossa, quando lembro do meu início até me arrepio.... cruz credo!!!
Kkkkkk so .rindo mesmo.pq.nessas horas ai da vontaDe De chorar
ResponderExcluirRi muito!!! E ainda temos que fazer isso e muito mais em meia hora...temos que ser rápidos, pacientes, minuciosos quanto à documentação, alertas quanto à falsificação dela, bons ouvintes e até psicólogos às vezes. Nessa tragédia comica (tem acento), torcemos para não engessar o nosso atendimento, tendo bom senso, mas seguir padrões fora muitas vezes da realidade fica difícil até desempenhar nosso papel do jeito que queríamos quando entramos. Histórias engraçadas (depende do seu senso de humor) percorrem nosso cotidiano...
ResponderExcluirNossa! Um blog com uma aparência tão bonita e uma pessoa que escreve tão bem por trás e uns textos tão vazios! Deve ser de uma cabeça vazia!
ResponderExcluirPessoa sem senso de humor...
ExcluirDeve ser um chato e mau humorado.
ops... maL
ExcluirConcordo plenamente. Trabalho com Loas e é isso mesmo q acontece. Se a gente não rir da situação (da nossa) pra dar uma aliviada, ficaremos loucos mais rápido do que o previsto.
ExcluirEu me divirto muito com esse blog!!!
O anônimo "crítico" deve ser chefe ou trabalha na área meio (SRD ou AADJ)......
ResponderExcluirou algum adEvogado..
ExcluirAdorei ... igualzinho igualzinho ...
ResponderExcluirNossa, ai é quase uma leitura do meu cotidiano, rsrsrs!Você escreve muito bem. Já li alguns textos mas este é o primeiro comentário. Eu só acrescentaria que no caso do LOAS, a documentação está misturada com copias de bula de remedio, cartões de vacina e cópias... muitas cópias de certidões, rsrsrs!
ResponderExcluirBeleza também é quando você atende uma pensão e descobre que a requerente "voltou" a viver com o falecido tempos antes dele embarcar, mas na época em que requereu o LOAS que você descobriu no PESCPF numa APS a 300 km de distância declarou estar separada e reclama que não pode manter os dois benefícios e o doutor falou que "tem direito" e pergunta se não tem aposentadoria pra filha que é bipolar, etc, etc, etc...
ResponderExcluirKkkkkkkkkkkkk e a nova moda agora? Beneficiário de LOAS morre e familia entra na justiça p/ tentar pensao! Qro ver qm vai ser o juiz estupido q vai conceder kkkkkk!
ExcluirE as q fizeram declaraçao de separaçao em cartorio p/ conseguir LOAS e qnd suposto ex-marido morre surge dizendo q a separaçao foi de poucos meses!
PQP literalmente e c/ td o respeito!