Hoje nós vamos tratar de um assunto muito sério e atual e seus possíveis desdobramentos e agradáveis conseqüências: o auxílio-doença sem a necessidade de perícia médica até um total de 120 dias. Quatro meses de férias para o segurado, tempos de paz para os peritos. Livres, ambas as partes, daquele encontro, algumas vezes fatal, cujo resultado nem sempre é agradável ao requerente. Em breve, bastará um simples laudo médico para a consagração do benefício. Afinal de contas, como sempre reclamaram os cidadãos de bem e os nem tanto, só mesmo o paciente é capaz conhecer tudo a respeito de seu estado de saúde; como pode um terceiro, no caso, um perito médico, avaliar suas condições físicas e mentais, suas idiossincrasias, disposição social, ânimo para o trabalho, enfim, sua capacidade laborativa? Um indivíduo que tem acessos de espirros de segunda à sexta, numa verdadeira reação alérgica ao trabalho, não deveria ter reconhecida sua incapacidade para a vida produtiva?
Talvez, em futuro não muito distante, nem mesmo esse “decreto médico”, o laudo, será mais necessário; tudo se baseará na presunção de boa fé. Afinal, o povo brasileiro, dos seus mais humildes cidadãos aos ocupantes das mais altas hierarquias, cada vez mais dá mostras de ser movido pela honestidade, pelo respeito ao bem público e ao patrimônio social.
Este conveniente e singular acordo entre as partes conflitantes, fruto da sabedoria de nossos dirigentes, se dará para evitar o desagrado do segurado, figura que deve ser protegida de todo o dissabor, e poupar integridade física do perito, muitos dos quais não gostam de apanhar.
Entretanto, é importante que esse benefício seja estendido também para os demais servidores da APS. Não só os peritos sofrem ameaças. Quantos de nós já não habilitamos uma pensão por morte de uma companheira que veio junto com um verdadeiro leão de chácara, dois metros de altura por dois de largura, uma presença nada sutil, contudo sugestiva, que tenta nos induzir a uma flexibilidade analítica dissonante da legislação vigente? Ou um candidato à aposentadoria, de precário CNIS, paramentado com uma rebrilhante peixeira na cintura, brilho esse que trai uma procedência pouco amistosa e menos ainda paciente?
É necessário que seja igualmente facilitada a concessão de aposentadorias e pensões, além de outros benefícios de menor porte como o auxílio-reclusão e o salário maternidade. Mais que documentos como carteiras profissionais e carnês de recolhimento, deve se levar em consideração a “documentação oral”, sempre embasada na presunção de boa fé. O que o segurado diz é sempre verdade. Se ele diz que trabalhou 45 anos mas perdeu todas as carteiras, o simples fato de não constar nada no CNIS não quer dizer que ele esteja mentindo, talvez esteja um pouco enganado e ainda que isso lhe possa causar uns dez anos de prejuízo em seu tempo de contribuição não significa que ele não faça jus à aposentadoria. O mesmo ocorrerá com uma viúva que tenha perdido o companheiro e não tenha as provas materiais de vida comum.
Veja como ficará simplificado o trabalho de um servidor da Previdência Social. Nada mais de ficar quebrando a cabeça analisando processos nem perder noites de sono imaginando como pôr fogo no arquivo de modo a apagar alguma incorreção processual. Simplificada também ficará a Instrução Normativa correspondente e já agora, por sucinta que será, adiantamos o seu texto:
“Artigo Único: Todo e qualquer benefício requerido deverá ser concedido, vetado apenas a acumulação de dois benefícios da mesma espécie.”
Observem que, apesar da parcimônia literária, continuarão mantidas as incoerências habituais. Se a primeira parte do período afirma que todos os benefícios serão concedidos, a segunda, desqualificando a anterior, reage afirmando o contrário, uma vez que esclarece que, sendo da mesma espécie, mais de um benefício não poderá ser concedido ao mesmo requerente.
Mas, de tudo o que foi apresentado, a incógnita mais persistente é a que diz respeito àqueles seres periféricos, nem segurados nem servidores, que, após um up grade nominal, passaram a se auto-denominar consultores previdenciários: com tanta facilidade para se obter um benefício será que eles ainda irão encontrar um jeito de arranjar clientes?