O primeiro diz respeito àquela simpática velhinha que vem em busca de um benefício assistencial e que você constata que não se enquadra na condição de penúria necessária para ser merecedora de tal regalia pecuniária. Após uma rápida análise de sua aparência, onde se percebe um ou mais elementos suspeitos como cabelo bem cortado e tingido de tons pouco intencionais como o lilás e o laranja, unhas bem cuidadas, perfume que a precede e que ela não leva embora ao partir, bijuterias extravagantes, entre outros detalhes.
Ao contrário do que afirmam o seu aspecto e a sua conduta refinada, ela garante não ter onde cair morta e tira um lenço bordado à mão de sua bolsa de couro legítimo para secar as escassas lágrimas com que tenta emoldurar de veracidade um discurso artificioso. Não se deixe enganar pelo trabalho cênico nem pelo requerimento onde ela declara morar sozinha e não ter renda alguma. Participe de seu jogo de cena, finja acreditar em suas palavras, dê um profundo e empático suspiro e, sutilmente, leve-a a cair em contradição até que ela confirme que ganha, sim, “um pouquinho de dinheiro fazendo uns trabalhinhos mas que nem dá para pagar o aluguel...” “ah, sim, e quanto é esse pouquinho?” “ Ás vezes uns 600 reais, às vezes um pouco mais...” Então, conseguida a confissão, é só convencê-la a declarar a renda por escrito, no requerimento. Ela vai pedir desconto, irá perguntar se pode colocar só a metade, você deve concordar pois esse pouco já será o suficiente para o sistema indeferir o benefício por renda superior a um quarto do salário mínimo. Depois lhe dê a má notícia, com um ar de pesarosa surpresa, comprovando que você tem tanto talento quanto ela para as artes da interpretação.
Nosso segundo ponto refere-se ao salário maternidade da empregada doméstica. Visando facilitar essa classe trabalhadora que luta para sair da informalidade, este benefício não exige carência o que abre precedente para qualquer uma gestante que nunca trabalhou na vida ver-se, aos seis ou sete meses de gestação, contratando um vínculo de doméstica com sua sogra ou algum parente próximo ou distante com o único intuito de usufruir o benefício. E o que pode você, colega de sofrimento, fazer para coibir esse abuso não previsto pela legislação previdenciária? Instituir a JA* compulsória. Convoque patroa e empregada, leve a primeira para a sala de JA devidamente ornamentada com variados instrumentos de tortura como torniquete, chicote, pau-arara, apetrechos, é bom que se diga, de maior utilidade psicológica do que física, e instaure um bem dirigido inquérito a fim de revelar a verdade oculta por trás daquele duvidoso vínculo empregatício. Se, ainda assim, ela insistir que a nora é mesmo sua empregada, faça um teste de habilidade específica com a mesma. Obrigue-a a fazer a faxina dos banheiros dos segurados e observe sua atitude; se ela fizer cara de nojo, perde três pontos no ato. Veja como ela se sai no manejo do balde e da vassoura, verifique a sua agilidade com a escova sanitária e a sua desembaraço ao esvaziar da cesta de papel higiênico. Ela deverá provar também seu traquejo na limpeza dos vidros da agência e ao passar no chão aquele desinfetante perfumado e de excelente qualidade com o qual somos brindados diariamente. Se a média for inferior a seis, ela deverá ser reprovada e o benefício, indeferido.
Obs: Este teste só deve ser feito em época posterior ao fato gerador para não haja risco de danos ao nascituro.
Todos os dias temos a oportunidade de observar as variadas maneiras de como se portam os segurados a partir do momento em que pegam a senha e ficam esperando para serem atendidos. Uns, os mais tranqüilos, se acomodam na cadeira e logo pegam no sono, com o quê perdem sua vez. Outros, os mais comunicativos, encontram variados assuntos para conversar com seu vizinho de cadeira e, muitas vezes, se distraem tanto que não percebem quando chamados. E há também aquele que, para agilizar o andamento do processo e encaminhar o cidadão à mesa que o chamou, fica narrando o atendimento como se fosse bingo: O 17 , I 45, A 90... E, quando canta a sua senha só falta gritar BINGO!
Portanto somos da opinião que é necessário padronizar o comportamento da clientela. Para isso, sugerimos a utilização de um monitor de chamada adaptado à uma televisão onde, nos intervalos dos atendimentos, pode-se assistir aos educativos programas da TV a cabo como, por exemplo, os do Animal Planet, cujos narradores possuem uma voz de freqüência modulada que, mais que tranquilizar o ambiente, leva qualquer um ao sono. Tomemos como exemplo do episódio: “A vida sexual dos ursos panda”. Não chega a ser um vídeo de sexo explicito já que os simpáticos animais, a exemplo do que fazem à noite, passam o dia todo a comer bambu. Tal animação leva ao cochilo até mesmo o narrador do programa, imagine o efeito avassalador que não terá sobre os segurados... Em dado momento uma sirene toca, o painel pisca e diversas senhas são chamadas e os segurados, atônitos como porquinhos da índia em barraquinha de festa junina, procuram as respectivas mesas que os solicitam. Depois de uns minutos, novo silêncio se abate sobre a agência, a tranqüilidade volta o ambiente e só se ouve, ao longe, o roer incessante de bambus.
* Justificação Administrativa