sexta-feira, 3 de junho de 2011

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS – OS DISFARCES DE DONA CONCEIÇÃO


Foi no verão que Dona Conceição começou a usar um chapéu de palha com abas enormes e imensos óculos escuros ao sair para almoçar e ao voltar para casa, ao fim do expediente. Andava pelas ruas com o chapéu enterrado na cabeça, como um mexicano fazendo a siesta. Quase não enxergava o quem lhe vinha de encontro nem o que ao de encontro ia; mais de uma vez dera cabeçada em poste, chutara lata de lixo e pisara em rabo de cachorro que dormia na calçada. Tinha hematomas a lhe atestarem a dificuldades de comunicação entre os pés e o caminho mas não abandonava os acessórios. Só quando vieram o inverno e a chuva é que os colegas de Dona Conceição começaram a se preocupar com aquele excesso de proteção solar. Interpelada, ela explicou que era por causa de Seu Sebastião, cuja aposentadoria por idade fora por ela indeferida e, ele, que não se conformava com o fato, entrara com recurso e agora vinha todos os dias à agência a exigir uma resposta que não dependia dela e a cobrar direitos que não possuía.
Não suportando mais tanto assédio Dona Conceição passou, a cada dia, a sugerir que ele direcionasse sua reclamação a um setor diferente; que se dirigisse diretamente à Junta de Recursos ou que fizesse uma queixa na Ouvidoria, finalmente opinou que ele devia se lamentar com a assistente social,  do que imediatamente se arrependeu.
Dona Lúcia, a assistente social, não era má pessoa, tinha real interesse em ajudar os segurados embora sua tarefa fosse  ajudar aqueles que não eram segurados do INSS pois seus trabalho dizia respeito aos benefícios assistenciais e não ao previdenciários; entretanto, tinha ela uma certa dificuldade de discernimento e fazia confusão entre ambos. Quando Dona Conceição a viu aproximar-se, cenho carregado e punho fechado, tentou colocar seu disfarce praiano, porém, foi pega com o chapéu na mão.
- Dona Conceição, como pôde a senhora fazer o que fez com o Seu Sebastião, um homem tão necessitado, idoso e, ainda por cima, muito doente – cobrou em voz alta e pouco social, a assistente social, levantando o punho cerrado na direção da servidora.
Dona Conceição tentou explicar que o senhor em questão tinha usufruído  18 anos de um auxílio doença que fora, findo este tempo, cessado por irregularidade e que viera agora, ao completar 65 anos, requerer a aposentadoria por idade e... Dona Lúcia a interrompeu: - Em 18 anos e ninguém regularizou o beneficiou desse pobre homem? É um total desleixo, uma incompetência imperdoável, permitir que uma pessoa tão necessitada fique à míngua por um erro de um servidor, isso é um crime.....  E ia ela continuar seu discurso sem sentido se Dona Conceição não a interrompesse bruscamente: - Irregularidade, neste caso, senhora Dona Lúcia, significa fraude. E agora o Seu Sebastião, depois de receber ilicitamente um benefício durante 18 anos, quer aproveitar esse mesmo tempo para conseguir uma aposentadoria. Porém, lícito ou não, o tempo de auxilio doença não conta para carência*, portanto o Seu Sebastião não pode se aposentar porque não tem carência.
- Como não tem carência? Uma pessoa a quem falta tudo, não é carente? Que esteve doente durante 18 anos, que nunca pôde trabalhar, que tem como sobreviver e a senhora me diz que não tem carência?
Dona Lúcia, vítima de sinuosas e erráticas conexões neuronais, ou não entendia nada  do que se dizia ou entendia tudo ao pé da letra, que é a outra forma de não entender nada.
- Mas não se preocupe, Dona Lúcia, que ele já entrou com recurso – tranqüilizou Dona Conceição, tentando encerrar a conversa.
- Recurso? E que recursos a senhora acha que ele tem para a senhora o extorquir desse jeito? A senhora ainda vai acabar na cadeia!
Dona Conceição não disse mais nada, saiu correndo e se enfurnou no banheiro. No dia seguinte estreou um disfarce diferente; subitamente convertida ao islamismo em sua vertente mais conservadora, tornou-se adepta do talibã e a passou a usar burca. Dona Lúcia, depois de alguns dias, vendo-a ali acomodada em sua mesa habitual, coberta dos pés à cabeça por aquele traje azul, olhos semi-ocultos por trás de uma tela, sentou-se ao seu lado e perguntou o seu nome. – Maria, respondeu Dona Conceição, disfarçando a voz.
- Então, Dona Maria, a senhora tem visto a Dona Conceição?
- Não- respondeu a voz adulterada.
               - Pois não é que ela sumiu? A senhora, muito provavelmente, não imagina o que a Dona Conceição tem feito a essas pobres pessoas que aqui freqüentam... – e ficou meia hora a discursar lamentos nos ouvidos de Dona Conceição.
Certo dia, Dona Conceição, estando abafada por baixo de todo aquele pano, foi para a retaguarda refrescar-se um pouco. Mal levantou a burca e entrou a insistente assistente social,  que lhe gritou:
- Finalmente a senhora resolveu aparecer! Pois saiba que,  enquanto a senhora passeia por aí, o Seu Sebastião morre de fome... – e tanto falou que Dona Conceição nem se animou a responder. Irritada, vestiu outra vez a sua burca e voltou para sua mesa. Mal sentou e lá veio Dona Lúcia, que lhe disse, em voz baixa e lamentosa:
- É, Dona Maria, a senhora é a única por aqui que me compreende...
Enquanto isso o Seu Sebastião, percorria, com olhar frustrado, os quatro cantos da agência tentando encontrar a Dona Conceição...

*não contava........blog defasado.................







18 comentários:

  1. Esta está ótima, não se pode simplesmente defender os carentes, acima de tudo deve se preservar a honestidade! Parabéns, é um tapa de pelica naqueles que sabem apenas bradar pelos direitos daqueles que não o possuem.

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  2. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk e mais um monte de k!!!

    PERFEITO! Um dos melhores posts!
    Essa parte aqui quase me fez cair da cadeira de rir: "- Como não tem carência? Uma pessoa a quem falta tudo, não é carente? Que esteve doente durante 18 anos, que nunca pôde trabalhar, que tem como sobreviver e a senhora me diz que não tem carência?"
    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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  3. A coisa pegou pro lado da D.Conceição! que obsessão terrível, vá se benzer D.Ceiça.
    A propósito a Assistente Social é loira?? kkkkkkkkkkkkkk

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  4. Gostei da sugestão da burca.....estou precisando de uma...rsrsssrrs

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  5. Eu já encomendei a minha burca!!!!
    KKKKKKKKKKKKKKK
    Como sempre, primoroso!
    S E N S A C I O N A L!!!

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  6. Deu pra rir bastante com esta história, mas depois fica uma tristeza no final por lembrar que situações assim acontecem de verdade muitas vezes. É engraçado na ficção mas ninguém está livre de passar pelo que a Dona Conceição passou.

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  7. Dona Conceição, minha ídala!! haha

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  8. A comédia do servidor...
    manda aí a parte dois Inssana e ótima semana pra ti e seguidores do teu blog e meus coleguinhas, enquanto isso aqui no DF os Deputados tem pressa em reajustar seu próprio salário! rsrsrs

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  9. devo dizer que burcas são material essencial de expediente, como caneta, papel ........

    realmente, na APS em q trabalho, além da burca deveria ter uma parede de vidro entre o segurado e o servidor: não só p/ evitar algum segurado mais exaltado, tb não apenas para nos proteger no mau cheiro daqueles que nunca foram ao dentista e os restos de dentes estão podres ou daqueles que não tomam banho e desconhecem a existência do desodorante, mas para que os segurados, disfarçadamente amparados por má educação e falta de higiene, tentam homicídio, ao tossir diretamente na face do servidor e ao colocar aquela nojenta 'toalinha' que assoam o nariz e limpam o q podem nas nossas mesas.

    tenho vontade de gritar: seu porco, quer q eu fique doente !!!!!!!!!!!!!

    mas pessoal, não vamos nos desesperar: há o adicional de insalubridade, mensal, no valor de R$ 52,40 !!

    apenas para deixar registrado, gasto td mês uma quantia considerável na farmácia, pq os porcos não param de deixar vírus e bactérias no ar

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  10. colegas, tomara que o sindicato consiga ter vitoria sobre a carga horaria...a incorporação da gdass. tomara!!!! VIGILIA JUNTO COM ELES.

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  11. o Anônimo sugere vidro, eu sugiro vidro espelhado!!! sabe aquele que aparece nos filmes, que impede que os criminosos identifiquem seus identificadores???
    não é má ideia, né?

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  12. Este comentário foi removido pelo autor.

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  13. Ai ai ai....
    Sra Grayce, conheço uns 150 assitentes sociais que tem nojo dessa mesma clientela que você adjetiva. E não falo só do INSS porque eu também conheço a "SAUDE". Acho que seu discurso assistencialista apaixonado deveria ser feito para seus próprios colegas. Colegas "AS" que destratam essa mesma clientela. Ninguém aqui disse que não atende a um cliente, por ventura, "mal cheiroso" como adjetivou, que continuará "mal cheiroso", mas ainda com direitos garantidos, assegurados, líquidos e certos na CF 88, na Lei 8213/91 e no Dec 3048/99 que tratam quase que em sua totalidade de toda PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, feita em 99% dos casos pelos servidores da área adminsitrativa. E garanto que a maioria de nós nem fez o juramento que vc e eles fizeram ao obter o grau. Ahhhh sem esse líquido de 5.000,00.
    Lindo seu discurso...
    Mas pessoas que sem asseio, seja por opção ou falta dela, ainda exalam mal odor, analfabetos, realmente têm dificuldade para compreensão de muitas questões, 2+2=4, a água é molhada, a Terra é quase redonda e o pulso ainda pulsa, etc e tal... Enquanto isso nós permaneceremos atendendo a todos, "REALMENTE" felizes por auxíliá-los na busca por uma vida mais digna, POR UM BOM BANHO, por uma renda capaz de tornar mais suave a miséria do pais, com atendimentos cronometrados em um tempo impossivel de se cumprir e com metas inatingíveis. Poupe você o seu tempo... Estude um pouco mais sobre os benefícios assistenciais que todos deveriam dominar e bata um papinho com seus colegas... Têm muitos precisando dessa ASSISTÊNCIA. Ou então utilize seu tempo prestando serviço voluntário.
    Bla bla é mole! Eu quero ver é atender a clientela "necessitada" na demanda expontânea ou de forma voluntária e com uma gratificação por produção como a nossa. Com 5000 por mês e um belo juramento, qualquer um deveria achar justo.

    Como diria o velho sábio: no dos outros, pimenta com caco de vidro e vinagre é vaselina.

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  14. Voltando ao tema do capítulo...
    Algo similar e bem recorrente:
    1 - Meu filho tá encostado faz 3 anos e mandaram cancelar minha autonomia de micro empresário.
    2 - Seu filho recebe um benefício assistêncial e existe um limite de renda no grupo familiar para ter esse direito.
    1 - Ah!! Então é só não assinar a carteira.
    2 - Não foi o que eu disse. A renda da família não pode ultrapassar o limite estabelecido.
    1 - Se eu não assinar a carteira eu posso continuar como microempresário?
    2 - Não!
    1 - ...
    2 - Não!
    1 - ...
    2 - Não!
    .
    .
    .
    1 - (refaz as 17 ultimas perguntas)
    2 - Não! Não! Não! Não! Não! ...

    Preencha com os números 1 ou 2 as lacunas referentes aos atores do diálogo:
    ( ) Servidor grosseiro e impaciente
    ( ) Cliente insatisfeito com resposta distinta da que desejava ouvir.

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  15. Isso mesmo Dona Conceição.
    falar é fácil, difícil é sentar a bun. na cadeira e atender à tantas tentativas de fraudes em um dia só.

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