A maioria dos segurados vai às agências da Previdência Social em busca de informações básicas, orientação sobre procedimentos e outros serviços igualmente simples e o servidor deve estar preparado para atendê-lo com presteza e eficiência.
Uma das dificuldades comuns a certos segurados é a orientação espacial e, embora eles possam ficar duas horas esperando o atendimento, nunca atentam para a numeração e localização das mesas ou, de tanto olhar para o monitor de chamada, acabam sendo hipnotizados pela alternância das telas de chamada das senhas, que terminam sem saber mais onde se encontram. Então o servidor, após clicar cinco vezes a senha sem resposta alguma, resolve chamá-lo no grito: - Seu José. Aí a resposta surte efeito acima de esperado pois se levantam, ao mesmo tempo, cinco Seus Josés e uma senhora, provavelmente uma Dona Maria José que, meio envergonhada, logo volta a se sentar. Diante deste impasse, o colega repete o nome acompanhado do número da senha e, bingo, só um Seu José permanece de pé, olhando meio incrédulo para o monitor, conferindo o número para estar bem certo de que fora o sorteado. Aí o servidor já está gesticulando, agitando bandeiras e gritando: - É aqui! É aqui. Neste ponto, já convicto de que a senha chamada é mesmo a dele, começa lentamente a girar o corpo em busca da mesa anunciada. O servidor, já exausto, se abana. Os outros segurados gritam, assoviam, apitam, tudo para guiar o companheiro ao lugar exato. Finalmente, quando se dá o feliz encontro entre o servidor e o segurado, este reclama que estava meia hora esperando, esquecendo de descontar, para o sucesso da boa aritmética, os quinze minutos que ficou patetando até encontrar o seu objetivo.
Agora o servidor tem a esperança de concluir com rapidez o atendimento e pergunta o que o segurado deseja. Ele, então, coloca um papel sobre a mesa. O servidor, verificando tratar-se de um protocolo de aposentadoria, imagina que o segurado quer saber o andamento do processo. Indagando a respeito, recebe como resposta outra folha de papel, desta vez, a carta de indeferimento do pedido em questão. Continuando o seu trabalho investigativo, o funcionário pergunta se o cidadão pretende entrar com um pedido de recurso contra o indeferimento do benefício. Mais outro papel é exibido. É a resposta da Junta de Recursos negando provimento. Em vista disso, já cansado de tantas tentativas de adivinhação, porém, persistente em sua tarefa de bem atender o seu cliente, pergunta se ele deseja entrar com recurso à CAJ, quando, é colocando diante de seu olhar aflito, um outro papel, e o segurado responde, tranquilamente, que só quer pegar os suas carteiras profissionais. Fim do mistério agora é só se mobilizar para a árdua tarefa de localizar os documentos do cidadão e um atendimento que deveria durar dez minutos levará, certamente, uns quarenta para ser concluído.
Entretanto, o senhor acima, metódico e organizado poderia ser substituído por outro que, em vez de mostrar a papelada uma a uma e disposta em ordem cronológica, coloca uma pasta velha sobre a mesa e diz que está tudo ali. Sem dúvida que está tudo ali, conclui o servidor, ao fazer um superficial inventário da velharia: tem conta de luz antiga, boletim escolar, nota fiscal das Casas Bahia, carnê do Baú da Felicidade, volante da mega-sena, bula de xarope com pegajosa amostra do produto, entre outras preciosidades, nenhuma com valor ou utilidade para o local e o momento. Informado disto, o segurado pesquisa no bolso um papel amassado, desdobrando com súbito cuidado para não rasgar, e indaga ao servidor para que serve aquele trapo de papel e, ao tomar conhecimento de que se trata da sua carta de aposentadoria e que deve se dirigir ao banco a fim de receber seu primeiro pagamento, ao invés de se alegrar com a boa notícia, de resto explicitada no documento recebido em casa, sai reclamando que ficou mais de uma hora esperando à toa e que agora vai ter que enfrentar um fila de banco, que não se tem respeito pelo cidadão, que ele já é muito velho, que o calo dói, que o cachorro tem pulga, que venta e faz frio e a culpa, que isso fique bem claro, é sua, colega de infortúnio.
É lógico que o serviço em questão não é feito apenas de casos tranqüilos como os exemplos acima citados, entretanto, deixemos de lado as ofensas, as ameaças e as agressões, pois, em função de excelência do atendimento, todos os mal-entendidos podem ser superados e até vistos de forma agradável, bastando para isso seguir a fórmula medicinal de Dona Conceição, que consiste em dissolver em uma xícara de chá de camomila, três comprimidos de haldol, quatro de rivotril e, para produzir o efeito caetano, dois comprimidos de prozac. Em poucos minutos, se sobreviver, o servidor estará achando que o segurado é lindo, que o CNIS é lindo, que o seu trabalho é lindo...