quinta-feira, 20 de junho de 2013




Grupo INSSena
                             apresenta


      Um LOAS com Dona
                Conceição

                                    TRAGICOMÉDIA EM UM ATO

Personagens:
Catipapi, catadora de papel, perdão, consultora previdenciária.
Emengarda, a requerente
Dona Conceição, que dispensa apresentação.

 Dona Conceição (pensando alto ao ver a senha que chamou) : Titica, um LOAS!
Emengarda e Catipapi vêm se aproximando, a segunda empurrando a cadeira de rodas da primeira que, além de tudo, carrega uma bengala. Essa estranha conjunção de elementos excludentes diante do olho clínico de Dona Conceição a faz erguer a sobrancelha esquerda em sinal de suspeição.
Dona Conceição: Bom dia, Dona Emengarda, a senhora veio dar entrada no LOAS?

Catipapi: Ela veio. Tá aqui o formulário. Nós gostaríamos também de cadastrar uma procuração para eu receber por ela.

Dona Conceição: Isso só depois que o benefício for concedido. E vai precisar também de uma declaração do médico dizendo que ela está lúcida e com dificuldade de locomoção.

Catipapi: Ah, ela tem muita dificuldade.

Dona Conceição: Não duvido. Precisa até de bengala para andar de cadeira de rodas. Dona Emengarda, me empreste sua identidade e CPF.

Catipapi: Dá a identidade e o CPF pra moça.

Dona Conceição (olhando o formulário de grupo familiar): A senhora mora sozinha?

Catipapi: Ela mora, coitadinha. Por isso é que eu estou ajudando. Não vou cobrar nada por isso.

Dona Conceição (levemente irônica): A senhora tem um coração de ouro.

Catipapi (reforçando a boa imagem): Faço o que posso; estou sempre ajudando os mais necessitados.

Dona Conceição: Sei... Bem, Dona Emengarda, preciso de sua certidão de nascimento.

Catipapi: Dá a certidão pra moça. (para Dona Conceição): Ela é casada, mas está separada do marido há mais de 30 anos. Ele foi embora e largou a coitadinha sozinha. Tá aqui a declaração de que ela não sabe o paradeiro dele.

Dona Emengarda  entrega a certidão e permanece quase em silêncio, o único som que emite é o estalar contínuo dos lábios, como se estivesse ruminando a língua.

Dona Conceição: Agora preciso do comprovante de residência.

Catipapi: Ah, a coitadinha não tem. Ela mora por favor num quartinho emprestado.

Dona Conceição: Casa de parente?

Catipapi: Não! É gente que ela nem a conhece. Só ficaram com pena dela e a deixaram morar lá.

Dona Conceição (irônica): O povo brasileiro é um exemplo de altruísmo. A senhora sabe, Dona Catipapi, que quase todo mundo que vem dar entrada no LOAS mora num quartinho emprestado por pessoas que mal conhecem? Mas, de qualquer maneira, vou precisar da conta de luz do dono do terreno que cedeu o cômodo.

Catipapi: Ela não tem, a pobrezinha.

Dona Emengarda (abandonando o silêncio com uma vozinha fraca e rouca): Conta de luz?

Dona Conceição: É.

Catipapi: Ela não tem.

Dona Emengarda: Tenho, sim. (tirando da bolsa): tenho  esta, ó, tenho esta, tenho esta...

Catipapi: Não, não precisa mostrar todas. A moça só precisa de uma.

Dona Conceição (desconfiada): Não, eu  faço questão de ver todas... (se apressa em recolhê-las a medida que são postas na mesa )

Dona Emengarda: Tenho esta, tenho esta, tenho esta... acho que é só...

Dona Conceição: Hum... está aqui está no nome do marido da senhora...

Dona Emengarda: O Boanerges...

Dona Conceição: e esta aqui, e esta, e esta, e esta e esta. Todas no nome do Seu Boanerges, mas com endereços diferentes.

Catipapi (fazendo cara de espanto): Mesmo?

Dona Conceição: Mesmo. Dona Emengarda, o Seu Boanerges tem seis casas?

Dona Emengarda: Temos oito, mas eu só trouxe conta de luz de seis. Não sei onde pus as outras.

Dona Conceição: Então a senhora mora com o Seu Boanerges?

Dona Emengarda: Há mais de 60 anos que eu aguento aquele velho rabugento, minha filha. Desde que se aposentou não sai mais de casa. Um traste!

Catipapi (gaguejando): A senhora não disse que ele tinha ido embora?

Dona Emengarda: Eu?

Catipapi: A senhora disse que não sabia onde ele se encontrava.

Dona Emengarda: Que isso! Ele me avisa até quando vai ao banheiro.

Catipapi (girando o indicador em torno da orelha para demonstrar que a sua cliente não ia bem das ideias).

Dona Emengarda (vendo o gesto): Eu não estou gagá!

Catipapi: Não, Dona Emengarda, eu só estava limpando o ouvido, me deu uma coceira repentina.

Dona Emengarda (dando um golpe com a bengala na catadora de pa, digo, consultora previdenciária) Não me trate como se eu fosse uma velha coroca!

Catipapi: Ai, ai, para! Isso dói!
.
Dona Emengarda  (levantando-se): E vai doer muito mais. (correndo atrás de Catipapi e lhe dando umas bengaladas): Me tirou de casa à toa, me fez andar de cadeira de rodas e ainda diz que sou uma velha gagá. Bem que a Mariinha me disse que você só quer se aproveitar da boa vontade dos outros. E toma outra!

Catipapi (correndo e tentando proteger a cabeça com as mãos): Ai, ai, para, para!


Dona Conceição (segurando o riso): Hum, que interessante...  Não é que estou começando a gostar de LOAS?

quinta-feira, 6 de junho de 2013


          
    GRUPO  INSSena

                   APRESENTA

       Cena INSSana

                                  (Tragicomédia em um ato)

Personagens:

Novato, o servidor já nosso conhecido, em suas primeiras experiências no atendimento ao público.

Dr. Gravatinha, o advogado  recém-formado, digamos que esteja apenas em seu primeiro terno, tão experiente em sua profissão quanto Novato na sua.

Sete Palmos, cliente de Dr. Gravatinha.


Novato: Bom dia, o senhor veio dar entrada no auxilio reclusão?
Dr. Gravatinha: Bom dia. Como o senhor se chama?
Novato: Novato.
Dr. Gravatinha: Senhor Novato, eu estou aqui representando o meu cliente, o   Sr. Sete Palmos, para fins de recebimento do Salário Reclusão.
Novato: O senhor quis dizer Auxílio Reclusão...
Dr. Gravatinha: Que seja.
Novato: E quem está preso, senhor?
Dr. Gravatinha: Meu cliente, o Sr. Sete Palmos.
Novato: E para quem é o benefício?
Dr. Gravatinha: O Benefício Reclusão é para o meu cliente, evidentemente.
Novato: O AUXILIO Reclusão é devido apenas aos dependentes do segurado recolhido à prisão, não ao recluso.
Dr. Gravatinha: E onde diz isso?
Novato: Na legislação previdenciária, tanto  no decreto 3048 de 1999 como na Instrução Normativa 45 de 2010.
Dr. Gravatinha: Li a legislação e em artigo nenhum diz que é vedado o recebimento do Amparo Reclusão ao prisioneiro.
Novato: AUXÍLIO, é Auxilio Reclusão. Não diz porque uma vez que esclarece quem pode receber, deixa evidente quem não pode receber. O senhor não leu o que diz a legislação, mas a interpretou pelo que ela não diz.
Dr. Gravatinha: Senhor Nonato, atenha-se ao seu serviço e deixe para mim o cuidado das leis, que esta é minha especialidade.
Novato: Percebo, senhor, mas meu nome é Novato e não Nonato.
Novato (após pesquisa do CNIS):  Senhor, não encontrei nenhum vínculo ou recolhimento em nome do seu cliente. Ele não estava trabalhando ou contribuindo para a Previdência quando foi recolhido à prisão?
Dr. Gravatinha: Não, mas não foi por culpa dele. Vocês aqui é que se negaram a cadastrá-lo como contribuinte individual.
Novato: Mesmo? E sob qual alegação?
Dr. Gravatinha: Sob alegação de que profissão dele não consta na Classificação Brasileira de Ocupações.
Novato: Ora... E qual é a profissão dele?
Dr. Gravatinha: Matador de aluguel.
Novato: Mas esse não é um trabalho legalmente reconhecido. Diria mesmo que é um serviço ilícito. Não há como se declarar assassino e ser assim cadastrado dentro das normas do CBO.
Dr. Gravatinha: Senhor Donato, peço mais respeito com meu cliente. Em momento nenhum foi-lhe dito que meu cliente é um assassino.
Novato: Meu nome não é Donato, é Novato, NOVATO. E me perdoe, senhor, pela declaração imprópria. É que incorri no erro de interpretar não pelo que me foi dito, mas pelo que não me foi e então conclui, erroneamente, que um matador de aluguel comete assassínios. De qualquer modo, nas duas situações, creio não seria possível cadastrá-lo de acordo com sua ocupação, pois, em todo caso, a atividade de seu cliente não está regulamentada talvez porque, até por um excesso de rigor, seja ainda considerada ilícita.
Dr. Gravatinha (citando professoralmente): “A Classificação Brasileira de Ocupações descreve e ordena as ocupações dentro de uma estrutura hierarquizada que permite agregar as informações referentes à força de trabalho, segundo características ocupacionais que dizem respeito à natureza da força de trabalho (funções, tarefas e obrigações que tipificam a ocupação) e ao conteúdo do trabalho (conjunto de conhecimentos, habilidades, atributos pessoais e outros requisitos exigidos para o exercício da ocupação)”.
Novato: O senhor parece mesmo entendido do assunto.
Dr. Gravatinha (com um sorriso de orgulho satisfeito): Então me diga, senhor Dorinato, onde consta que as atividades pouco ortodoxas não podem ser consideradas para fins de inscrição e contribuição previdenciária?
Novato: Em lugar nenhum, senhor, mas meu nome não é Dorinato, é NOVATO. Agora, para prosseguirmos, eu preciso da declaração de cárcere.
Dr. Gravatinha: Aquele documento que diz que meu cliente está preso? Não o tenho presentemente. Na verdade, o meu cliente encontra-se momentaneamente afastado do ambiente carcerário no qual realizava as consequências de sua atividade laborativa.
Novato: Ele está em liberdade condicional?
Dr. Gravatinha: Não exatamente...
Novato: Fugiu?
Dr. Gravatinha: Eu não diria isso. Ele foi sequestrado do presídio por pessoas que se dizem seus amigos e que, posso garantir, não o são.
Novato: Bom, de qualquer forma, só tem direito ao Auxilio Reclusão aquele segurado que efetivamente encontra-se recluso em regime fechado ou semiaberto, desde que, neste último caso, não esteja realizando trabalho remunerado.
Dr. Gravatinha: E quem pode afirmar o contrário? Ainda que não esteja cumprindo pena na penitenciária, certamente encontra-se encarcerado em área restrita, cercado por homens armados que lhe impedem de voltar ao ambiente punitivo de onde foi retirado a contragosto.
Novato: Muito louvável o apreço de seu cliente pelo cumprimento das leis, porém, seria necessário que ele estivesse a respeitá-la em ambiente menos informal.
Dr. Gravatinha: Sr. Deodato, seria o caso, então, de um Beneficio Assistencial ao Detento?
Novato: Pela última vez: Meu nome é NOVATO! NO-VA-TO! Não sei por que o senhor quis saber o meu nome tendo uma memória recente assim tão deficitária. E não existe Benefício Assistencial ao Detento. Existem benefícios assistenciais aos idosos e aos deficientes.
Dr. Gravatinha: Este! Este último é o que convém ao meu cliente.
Novato: E que tipo de incapacidade de longo prazo possui o seu cliente para pleitear o Benefício Assistencial ao Deficiente?
Dr. Gravatinha: Um transtorno de caráter, um desvio de conduta...
Novato (irônico): Compreendo... Algo assim como uma escoliose moral, pois não?
Dr. Gravatinha: Exatamente. Agora começamos a nos entender, Sr. Nosferatu.
Novato: Ah, não! Nosferatu?! Isso é inadmissível!  Agora o Sr. ultrapassou todos os limites do equívoco cortês. Está me chamando  de vampiro. Isso é uma total falta de compostura acadêmica.
Dr. Gravatinha: As suas críticas à minha memória estão se tornando inconvenientes. Devo adverti-lo que meu cliente, para quem o  senhor demonstrou incrível má vontade em conceder um benefício, acaba de adentrar o recinto e segue em nossa direção.
Entra Sete Palmos, um homenzarrão barbudo e com cara de poucos amigos, um revólver em cada mão, sendo girados em torno dos dedos, malabaristicamente utilizados em demonstração perícia semelhante aos pistoleiros do velho oeste no manejo das armas. 
Novato: Ai, meu Deus! (desmaia).
Dr. Gravatinha (para Sete Palmos): Ué, conseguiu entrar com arma e tudo?
Sete Palmos: A porta até que apitou, mas os homi tudo fugiram...
Dr. Gravatinha (rindo e apontando Novato que jaz estirado no chão): Esse aí não fugiu, não...
Sete Palmos: É...Caiu foi é duro....

                                                       (Cai o pano)
















  

quinta-feira, 23 de maio de 2013


                           
       GRUPO  INSSena
                    APRESENTA

  UM NOVATO NO BALCÃO*


                                    (Tragicomédia em três atos)

Personagens:
Servidor novato,  sozinho em seu primeiro dia de atendimento, a princípio, entusiasmado como um animador de programa de auditório, com a cabeça plena de legislação e prática nenhuma.
Dona Maria
Dona Luzia
Dona Zuleica e oito crianças
                                                           Local: uma APS lotada
      
                      Primeiro ato– Atendimento simples

Servidor: Bom dia, Dona Maria. Em que posso lhe ser útil?

Dona Maria: Vim pegar o papel pra viagem.

Servidor (um pouco embaraçado): Que papel pra viagem, senhora?

Dona Maria: O papel que a gente precisa pegar pra viajar.

Servidor: Papel que a gente precisa pra viajar... Seria uma passagem?

Dona: Deve ser. Sempre uso ele pra viajar de ônibus pra outra cidade.

Servidor (incrédulo): A senhora costuma comprar passagens de ônibus aqui?

Dona Maria: Não pago nada, não, moço. Pego de graça.

Servidor (bastante desconfiado): Queira ter a gentileza de aguardar cinco minutos (sai em busca de informações  deixando Dona Maria a tamborilar os dedos sobre a mesa).

Servidor (animado): Pronto, Dona Maria, já estou de volta. O que a senhora deseja é um discriminativo de crédito onde consta o valor de integral de seu benefício, seus empréstimos consignados e o valor líquido que recebe a fim de garantir a gratuidade de passagens de ônibus intermunicipais e interestaduais, não é mesmo?

Dona Maria (um pouco impaciente): É, moço, deve ser isso mesmo.

Servidor (com ar de triunfo): Um minuto, um minuto  que já lhe entrego.

               Segundo ato – Pensão por morte

Servidor: Bom dia, Dona Luzia, a senhora veio dar entrada na pensão?

Dona Luzia (suspirando): Vim sim, meu filho.

Servidor: E quem foi que morreu, minha senhora?

Dona Luzia: O Berico, meu velho.

Servidor: Seu esposo?

Dona Luzia: É.

Servidor: Então eu vou precisar da certidão de casamento, de óbito e a identidade e CPF de vocês dois.

Dona Luzia (mostrando a papelada): Tá tudo aqui, ó.

Servidor (examinando a certidão de casamento): Aqui na certidão de casamento diz Luiza e não Luzia.

Dona Luzia: É,  é a Luiza, aquela sirigaita.

Servidor: Então o Seu Alberico não era casado com a senhora?

Dona Luzia: Foi também. Nós casamos em 1956, depois ele largou de mim, eu larguei dele, porque ele era muito sem-vergonha. Aí eu conheci o Albertino e fui morar com ele. Berico foi viver com a Luzineide. Daí a Luzineide morreu e eu me separei  do  Albertino e voltei a viver com o Berico. Mas ele era muito do sem-vergonha mesmo e andou de assanhamento com a Luzimara, daí eu pedi desquite, não aguentei mais aquele velho assanhado, que não podia ver  uma barra de saia. Daí eu conheci o Albino, o Alberto, o Albertone e uns outros que eu já nem me lembro mais o nome nem a ordem de chegada. Tudo isso pra esquecer o sem-vergonha do Berico. Daí o Berico se casou com a sirigaita de Luiza. Acho que fez até de propósito, por causa do nome. Aí ele ficou doente e a Luiza foi embora e eu voltei a morar com ele.

Servidor: Bom, se a senhora não estava atualmente casada com o Seu Alberico, devido à anterior separação judicial, vai ter que comprovar a união estável. O que a senhora pode apresentar para provar que estava morando com o falecido?

Dona Luzia (pondo, orgulhosamente, uma guimba de cigarro sobre a mesa): O primeiro cigarro que nós fumamos juntos, em 1955. Olha só, tem até a marca do batom.

Servidor (um tanto confuso): A senhora não tem nada mais recente?

Dona Luzia: Não. Parei de fumar desde que tive pneumonia. Começou assim com uma tosse comprida; tossia, tossia que não acabava nunca, sabe? Depois tive febre, fui parar no hospital, de lá pra cá não fumei mais. Fiquei com o  pulmão fraco.

Servidor: Não me refiro a cigarros, mas a documentos, papéis...

Dona Luzia: Cigarro é papel, ora. É só tirar o recheio que fica sendo só o papel. Nem filtro tinha naquela época; era tudo mata-rato.

Servidor: Receio, senhora, que cigarros não entrem no rol dos documentos que possam levar à convicção do fato a comprovar, qual seja, sua união estável com o seu Alberico.

Dona Luzia (esticando um papel para o servidor): Isso aqui ele me escreveu em 1962, quando nós estávamos separados e ele queria voltar. Olha com ele era romântico (lê): “Lulu, meu bem/Eu sou o seu Berico/Não me queira mal, me queira bem/ Não me trate como um penico.” Tinha alma de poeta o meu Berico (suspira).

Servidor: Dona Luzia, receio que esse documento também não sirva...

Dona Luzia (indignada, cortando a explicação do interlocutor): É papel e é mais novo que o cigarro. Por que o senhor complica tanto? Velho vocês tratam assim, né? Sem consideração nenhuma (começa a chorar). Sofri tanto na vida e agora vou ter que ir pra debaixo da ponte porque o senhor não quer me dar a pensão, que é direito meu. Como é que o senhor acha que eu vou viver recebendo só um amparo a idoso? Um salário mínimo só. E sem décimo terceiro. ( Em tom de ameaça): Não tem problema não, eu vou entrar na justiça. Vou falar com meu advogado. Ele bem que me avisou que aqui no INSS nunca dão nada pra gente, nunca reconhecem o nosso direito (gritando): Eu não vim pedir esmola, não. Eu tenho direito. Mais de 50 anos aguentando aquele velho safado, que não podia ver mulher sem correr atrás, e agora vem o senhor achando que sabe mais do que eu de minha vida. Eu vou chamar a polícia para prender o senhor. Vai todo mundo aqui pra cadeia. Eu quero falar com o chefe! Não tem chefe aqui nessa bagunça, não? Vocês são é um bando de vagabundos, que não respeitam ninguém.

Terceiro ato – LOAS

Servidor (fazendo cara de pavor ao ver se aproximarem Dona Zuleica e oito saltitantes pirralhos, um dos quais empunhando um saco de biscoito de milho, desses cujo paladar se concentra unicamente no olfato, porque tem muito cheiro e gosto nenhum).

Servidor: Boa Tarde, Dona Zuleica. A Senhora preencheu o requerimento?

Dona Zuleica: Tá tudo aqui (põe uma pilha de papéis na mesa).

Servidor (lendo, desolado, o formulário de composição do grupo familiar onde constam a requerente e onze filhos): E o pai das crianças, não mora com vocês?

Dona Zuleica: De qual delas?

Servidor: De qualquer uma.

Dona Zuleica: Não. Uns tão preso, outros não sei onde tão. Mas o senhor sabe que nunca ganhei o tal  do auxilio reclusão? Eu tenho direito e vocês nunca me deram. Agora então estou tentando isso aí porque tenho pressão alta e não posso trabalhar. (para uma das crianças): Menino, não joga meleca no chão. Que porcaria! Limpa na brusa!

Servidor (analisando as certidões de nascimento da criançada): Eu estou vendo aqui que tem umas crianças que não são seus filhos...

Dona Zuleica: Ué, tem? Quem?

Servidor: O  Deividi Uoxinton, por exemplo, é filho da Zulmira.

Dona Zuleica: Ah, Zulmira é minha mãe.

Servidor: Nesse caso ele é seu irmão. Tem que corrigir aqui no formulário. E o Maicojéquison também não é seu filho...

Dona Zuleica: Ué, não é não?

Servidor: Consta aqui que ele é filho de Lucivando e Vandalucia.

Dona Zuleica: Ah, é mesmo. Lucivando é o pai do Rolescleison, vê aí se não é.

Servidor: Correto! Do Lucivando e da senhora.

Dona Zuleica: Ué, é meu? Desse eu tinha se esquecido...

*Esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência. (Nota do autor)
















                    

sexta-feira, 10 de maio de 2013

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS - REFORMA PREVIDENCIÁRIA


É de conhecimento de todos que a necessária reforma previdenciária seria uma medida tão drástica quanto impopular e por isso ela vai sendo sempre adiada, ainda que com prejuízo das contas públicas.
O que ninguém imagina, entretanto, que essa reformulação pode ser muito bem vinda, principalmente no período eleitoral, que atualmente dura em torno de três a quatro anos. O importante então não é fechar as contas em troca dos direitos e vantagens dos segurados e, sim, ouvir a voz do povo que, como diz o ditado, é a voz de Deus.
Uma das sugestões mais ouvidas pelo servidor é a importância de se criar novas espécies de aposentadorias como, por exemplo, a aposentadoria antes do tempo de contribuição e a aposentadoria antes da idade, em que o segurado se aposentaria precocemente e teria um desconto mensal equivalente ao valor da contribuição até ter atingindo as condições necessárias para a obtenção definitiva do benefício. Notem que avanço espetacular em termos previdenciários! O segurado continuaria a contribuir para a Previdência até mesmo depois de aposentado. Processo esse que pode evoluir até para a aposentadoria dos recém-nascidos que, mediante o benefício, contribuirão até completarem trinta anos, se mulher, ou trinta e cinco, se homem, no valor de 20% do valor de uma renda mensal a escolher, ou, até a idade mínima para a aposentadoria por idade caso optem por um desconto de apenas 11% e se contentarem em receber apenas um salário mínimo.
Uma reclamação recorrente e que deve ser levada em consideração refere-se ao excesso de burocracia na habilitação do LOAS. Se tal benefício é devido àqueles desprovidos de praticamente tudo, porque deles se exige tanto? O fato de não terem documento de identidade, certidão de casamento ou comprovante de residência atestam, por si só, a situação de penúria em que vivem. Por que questionar o momentâneo extravio de uma certidão de casamento se, no futuro, em solicitação de uma pensão por morte ela pode vir a  ser reencontrada? E acreditar que  a pessoa esteja mentindo ao dizer que não tem comprovante de residência por está morando por favor na casa de vizinhos é duvidar mesmo da generosidade do brasileiro, esse povo tão hospitaleiro, onde o cidadão tira o pão da própria boca para alimentar aquele que mal conhece. E descrer da palavra dita por tão sincera e honesta gente é negar a própria justiça de que é tão farta nossa honorável pátria.
De grande apelo popular é a autoperícia, pois quem melhor do que a própria pessoa para saber sua real condição de saúde e analisar sua incapacidade para o trabalho?  É necessário evitar transtornos  para o cidadão que, além de estar adoentado, sofrendo muitas vezes de um dolorido calo, tem ainda que ir ao médico em busca de um laudo e depois  enfrentar uma perícia, correndo o risco de ter o benefício indeferido embora o sapato lhe maltrate o pé doente. 
O ápice da evolução  legislativa previdenciária, entretanto, se dará com o advento de uma legislação sucinta,  a IN PL, econômica de ideias porém rica em direitos para os cidadãos, sem contradições nem espaços para dúvidas e questionamentos, sem entrelinhas controversas, que evita recursos e processos judiciais, além de economizar tempo, paciência e neurônios dos servidores e que possui apenas um artigo e duas palavras: “Pediu; levou”.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

CINE INSSANO - TRILOGIA DA DONA CONCEIÇÃO

      

   
                      O CHILIQUE DE DONA CONCEIÇÃO


A REVOLTA DE DONA CONCEIÇÃO



ASCENSÃO E QUEDA DE DONA CONCEIÇÃO

sexta-feira, 26 de abril de 2013

TÉCNICA DE SOBREVIVÊNCIA EM APS - AS METAS


Hoje falaremos sobre o tema polêmico e tristemente dinâmico que é o conjunto de  metas a que estamos submetidos no interesse de conservar o salário intacto e o turno estendido em vigor e, de quebra, manter a inssanidade em níveis administráveis.
Também conhecidas sugestivamente como “mertas”, uma composição do nome original com algo que não cheira nada  bem, compreendem uma reunião de objetivos mais ou menos inalcançáveis que tendem a se tornar  cada vez mais rígidas, até a total inacessibilidade.
A finalidade declarada de todo esse procedimento é a melhoria do atendimento à população, pois as agências passaram a ficar abertas durante mais tempo, embora tendo como contraponto a duração da jornada de trabalho dos servidores que foi reduzida em duas horas. Um pouco ortodoxo cálculo matemático cujo resultado prático mais visível é o fato de que o segurado passou a ter que acordar uma hora mais cedo para ser o primeiro da fila que se forma à espera da abertura da APS, prazer este reservado a muitos aposentados que fazem de sua ida ao INSS um dos preferidos exercícios matinais.
Sabe-se, entretanto, que tais metas têm como objetivo primordial a impossibilidade de serem atingidas e costumam ser elaboradas em sádicos grupos de trabalho especialmente formados para este fim. Primeiramente criam parâmetros aleatoriamente e se exige que deles se aproxime a produção das agências. Alcançado, com grande esforço,  o efeito desejado, já se mudam os padrões e aumentam as exigências, de modo que o servidor sinta-se sempre  esmagado por um torniquete virtual, a fim de produzir cada vez mais, a despeito de todas as dificuldades.
 O que, a princípio, parece ilógico é fruto, no entanto, de um aprofundado e requintado estudo da alma humana e que pretende avaliar o grau de submissão a que pode chegar um inssano, até que ponto ele se resigna a fazer qualquer coisa para manter o salário que lhe é devido e a carga horária reduzida que antes de lhe ser tomada, lhe era de direito e que, ao ser parcialmente devolvida, vive sob constante ameaça.
O principal braço operacional desta permanente tortura é a Dataprev com seus inconstantes, inoperantes e cada vez mais numerosos sistemas que nos trazem uma nostalgia dos tempos anteriores à informatização, já que não era possível manipular remotamente uma caneta.
Um dos divertimentos prediletos da maquiavélica instituição acima citada consiste na alternância de funcionamento de sistemas; quando uns funcionam, outros estão instáveis, ou, em linguagem clara e direta, inoperantes. Quando alguns voltam a funcionar, os outros caem. Essa é uma excelente forma de inviabilizar ou, pelo menos, retardar bastante, o atendimento dos agendamentos de benefícios e levar o servidor ao desespero por ver o cumprimento das metas perigando, pois, evidentemente, atrasos e deficiências alheios à vontade e à competência do trabalhador não são levados em consideração. Outra estratégia muito divertida são aqueles variados erros no processamento da folha de pagamento que fazem triplicar a demanda espontânea normal da agência.
Só resta ao servidor, portanto, já que não tem como acompanhar a evolução alucinante das metas, tentar agilizar, como pode, o atendimento e  estabelecer procedimentos criativos de modo a diminuir a demanda. Aconselha-se o uso da hipnose condicionativa para convencer o segurado de que ele não precisa retornar à agência para pegar o ‘papel pra viagem’ nos próximos dez anos a menos que, de fato, vá ele viajar. Um bom resultado também se obtém com o uso de pó-de-mico concentrado que, polvilhado diariamente nas cadeiras, diminui muito o número de segurados na agência uma vez que muitas pessoas passam a ter necessidades mais prementes do que esperar pelo atendimento.
Aproveitamos para informar que não endossamos o uso da Solução Sono Eterno dos Laboratórios Conceição & Co., utilizável na água do bebedouro, devido a seus efeitos colaterais irreversíveis.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS - A CONSPIRAÇÃO


Todos nós conhecemos os esforços envidados por americanos e japoneses  no combate à invasão alienígena que reiteradas vezes  assolou  e ainda assola o nosso já superpovoado planeta.  Discos voadores cortam os nossos céus mais amiúde que estrelas cadentes  e pousam com maior discrição e frequência que meteoros. Sempre em surdina, seres esquisitos e desengonçados arriscam passos protegidos por pistolas de laser espacial  e tentam capturar espécimes nativas para travar conhecimento psíquico e anatômico de modo a facilitar a invasão e conquista da Terra. Felizmente, pensávamos até agora, eles sempre foram descobertos, garantindo assim nossa liberdade e integridade física e mental.
Porém, há países, como o Brasil, que não possuem sistema de defesa contra extraterrestres  e que, dada a facilidade encontrada, desenvolveram um sofisticado plano de ação para o seu estabelecimento em plagas tupiniquins. Não passeiam pelas calçadas esses verdes ciclopes de antenas estereoscópicas  nem dão rasantes com suas naves espaciais nas grandes cidades. Não! Desenvolveram eles um sistema de captação de cobaias doadores de cérebro para que os seres alienígenas os possam  transformar , aos poucos, em um batalhão teleguiado para agir em função de seus  escusos objetivos. Esse sistema é representado por uma entidade sem fins lucrativos, conhecida pela sigla INSS (Intergalactic Nation of Serial Sugators, em macarrônico inglês) e que, por meio de concurso público, procura arregimentar grupos de pessoas esforçadas e estudiosas, interessadas em um atrativo salário, e que para isso ultrapassam qualquer obstáculo, não poupando esforços para chegar a seu fim, estudando horas a fio, desprezando passeios e distrações, sem saber que esta qualidade é extremamente apreciada pelo inimigo que pretende manipular suas vítimas.
Uma vez empossado, o jovem servidor começa a sofrer sérios ataques dos sugadores de cérebro, com o fim de não opor resistência às intenções dos extraplanetários.
A primeira forma de assédio é a obrigatória utilização de programas, também conhecidos como cavalos de tróia, que, se fazendo passar por sistemas de informática, têm como fim o amolecimento cerebral do infeliz servidor. O pobre coitado, de tanto informar inutilmente senhas, matrícula, CPF e outros dados mais, vai sendo mesmerizado lentamente,  invadido por fluidos emanantes do computador e que o vão anestesiando, deixando-o  suscetível a toda forma de manipulação. A pessoa, vendo que é inútil todo o esforço, resigna-se, e repete mecanicamente sua tarefa, já sem muita convicção ou esperança e, a todo instante, vê um sistema cair ou, por outra, não conectar, enquanto os segurados ameaçam uma revolta em resposta à demora no atendimento.
A seguir vêm as cobranças de cumprimentos de metas inatingíveis e variegadas ameaças. Nada mais está seguro. A qualquer momento podem mudar as regras do jogo, o salário e a carga horária, ambas variáveis, deixam o servidor completamente desnorteado e sem reação, respondendo positiva e mecanicamente a tudo o que lhe é proposto:
- TRA BA  LHAR SEIS HO RAS... TRA BA  LHAR SEIS HO RAS...
- TRA BA LHAR OITO HORAS... TRA BA LHAR OITO HORAS...
- TRA BA LHAR VIN TE HORAS... TRA BA LHAR VIN TE HORAS...
- SEM SA LÁ RIO... SEM SA LÁ RIO...
- SEM RE VOL TA... SEM RE VOL TA...
- DÃ... DÃ... DÃ...
Quando chega a esta terrível, inevitável e intransponível situação o cidadão-servidor terá se transformado num androide de articulações endurecidas pela LER e pelo senta-levanta contínuo para percorrer  o curto caminho entre sua mesa e a impressora, com os músculos da face enrijecidos pelo sorriso-padrão pouco espontâneo de atendimento ao público e, pior que tudo, pela total degeneração do raciocínio. Então terá se completado a mutação desejada pelo inimigo e deixará de ser um humano e terá se convertido num CNISoide SIBErnético, capaz de obedecer a todas ordens sem questionar e ser manipulado a bel prazer das forças ocultas. Portanto, enquanto ainda há tempo, deve-se ter muita cautela para
- MUI TA CAU TE LA... MUI TA CAUTELA...
- DÃ...DÃ...DÃ...