sábado, 2 de julho de 2011

          INSSaNews
Rebelião de servidores do INSS   

    Na tarde de ontem iniciou-se uma rebelião na gerência de ....... após o gerente determinar que alguns servidores lotados em diversos setores  seriam transferidos para a APS da cidade. A não divulgação imediata dos nomes dos contemplados causou grande mal-estar entre os funcionários que especulavam, temerosos, se seriam os escolhidos. 


 Após cochichos e olhares furtivos, a situação alcançou alto grau de tensão resultando na captura do gerente que está sendo mantido como refém a fim de que dê as necessárias explicações sobre seus atos arbitrários. O seu algoz o mantém sob a  ameaça constante de um extrator de grampos junto à gerencial jugular.

    Outros revoltosos ameaçaram pôr fogo no arquivo. Logo que a notícia se espalhou pela agência, servidores da APS tentaram subir com pilhas de processos represados para ajudar com mais material inflamável e reduzir, desta forma, consideravelmente, o próprio trabalho. Foram impedidos pelos revoltosos da logística que lançaram, escada abaixo, canetas e outros artigos de escritório e que foram recolhidos com desenvolta satisfação pelos rechaçados colaboracionistas, como butim muito cobiçado.


    
     Uma máquina fotocopiadora foi lançada do quinto andar e imediatamente recolhida pelos servidores da APS que constataram que ela, mesmo destroçada, tinha um desempenho superior à disponível aos servidores da agência.
 Alguns servidores mais medrosos, pularam pelas janelas tentando, através da morte, evitar a transferência. Infelizmente todos sobreviveram e se mantêm reféns dos funcionários da APS que, como forma de tortura, já os obrigam a fazer CNISVR.
  Diversos segurados, informados do motim, aderiram ao movimento e seqüestraram dois peritos que estão sendo obrigados a deferir todos os pedidos de auxilio doença requisitados. Assistentes  sociais tentam, sem sucesso, negociar o fim da rebelião e, até o fechamento desta edição, os fatos mantinham-se inalterados.
  Ciente dos graves acontecimentos registrados, o Sr. Ministro  confirmou a séria intenção de criar, com a máxima urgência, logo após o término do recesso parlamentar, uma UPP (Unidade Pacificadora Previdenciária) para controlar os movimentos rebeldes nas unidades mais belicosas.


            Ministro confirma criação de UPPs

sábado, 25 de junho de 2011

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS – LIGUE JÁ!


Cansado de ser o responsável por manter os 80 pontos da GDASS de toda a gerência? Cansado de levar bronca para produzir cada vez mais com sistemas cada vez mais instáveis? Cansado de fazer pajelança para que o computador funcione? Seus problemas acabaram! Para isso foi criado o PAB (Programa de Aceleração de Benefícios), um sistema cooperativo entre servidor e segurado.
Conheça o PAB: Trata-se de um método bastante simples e muito eficiente para a habilitação e concessão dos variados benefícios oferecidos pela autarquia e contará com a participação de todos aqueles segurados a partir da terceira tentativa frustrada de obtenção de um benefício.
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Também podem participar os consultores previdenciários, evidentemente, passando por todo o processo acima descrito para cada benefício que deseje habilitar.
Basta ligar para 135 e agendar o seu Curso de Habilitação e Formatação de Benefícios. Seja um de nossos colaboradores. Não espere mais! Não perca essa incrível oportunidade! Ligue já!

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sexta-feira, 17 de junho de 2011

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS – A SOBRANCELHA


Em meio a uma alta densidade demográfica de segurados que aguardavam atendimento, a voz mais elevada se destacava gritando repetidamente “só matano mermo mermão!”. Dona Conceição, que acabara de retornar do almoço, olhou para a multidão tentando descobrir o autor da aliterada oração, aqui no sentido gramatical e não no devocional, a fim de facilitar o entendimento daquelas três últimas palavras da frase de quatro, e que não constavam de seu ultrapassado léxico, porém, que já devem estar presentes nas atualíssimas cartilhas do MEC.
Ainda sem entender o significado da locução, chamou o próximo, com uma inquietante intuição de que seria brindada com a aquela vociferante prenda. Não deu outra. Seu Jorge, já grande e pesado por natureza, se aproximava imprimindo agressividade a cada passo, fazendo tremer o mouse que, desta forma, parecia assustado por tão ameaçadora presença. Ele, para se sentar, puxou a cadeira com tamanha violência que ela balançou para trás, com o impulso,  quase atingindo um cidadão que estava sentado nas proximidades. Dona Conceição não estava gostando nem um pouco desse  violento preâmbulo mas afivelou sou mais cordial sorriso amarelo, e disse, quase amável:
- Boa tarde, Seu Jorge, o senhor veio dar entrada na sua aposentadoria?
- Vim, dona, e, dessa vez, eu me aposento de qualquer maneira, senão a coisa vai ficar muito feia pro seu lado.
A sobrancelha esquerda de Dona Conceição ergueu-se interrogativamente. É necessário que se faça aqui um parêntese para explicar o funcionamento da sobrancelha esquerda de Dona Conceição. Calejada por décadas de atendimento, a servidora adquirira uma expressão facial neutra que não deixava transparecer sentimentos que ela julgava que poderiam ser prejudicais à sua tarefa, como desagrado, desaprovação, tensão ou medo. Ou era espontaneamente gentil e simpática, ou, em casos extremos, como o de agora, mantinha-se indiferente. O único senão era a indomável sobrancelha que parecia ter personalidade própria, erguendo-se a cada sobressalto, feito um marcador de nível.
- Ah, o senhor já deu entrada antes?
- Três vezes!
Três vezes só este ano, confirmou Dona Conceição ao ver o histórico do cidadão. E ainda estamos em junho. Mais duas vezes ano passado, mais outra no anterior, num total de seis tentativas. Tinha razão em estar revoltado. A menos que não tivesse tempo de contribuição suficiente para se aposentar, como, por coincidência, era o caso, conforme se certificou ao examinar o último pedido negado. O segurado tinha 49 anos de idade, 25 de contribuição e uma dúzia de PPPs não enquadrados. Precisava de 35 anos redondinhos de contribuição já que não tinha idade para a proporcional. Dona Conceição respirou fundo e começou a explicar que os PPPs não tinham sido enquadrados, que ele precisava....foi interrompida...
- Dona, eu trabalho desde os onze anos, dou duro há mais de quarenta  ( há aí um erro de cálculo,  pensou Dona Conceição) e agora vocês vêm me dizer que eu não tenho direito de me aposentar?! – começou a esmurrar a mesa, com aparente intenção de socar algo mais macio, como, por exemplo, as rechonchudas bochechas de Dona Conceição. A sobrancelha esquerda sinalizou o temor erguendo-se mais um pouco. Ela se calou e pôs-se a habilitar o benefício. Ele continuou a falar em voz alta e ameaçadora, respingando perdigotos sobre a mesa.
- Eca! Que nojo! – e a sobrancelha elevou-se mais um pouco.
O silêncio e a aparente tranqüilidade da servidora apenas serviram para alterar ainda mais o irritado requerente.
-896=fhc a dona aí não vai falar nada? Vai ficar com essa  eiagçcb
de cara de  eiagçcb - gritava ainda  quando  se levantou, arrancou o monitor da frente de Dona Conceição e o lançou ao chão.
A sobrancelha de Dona Conceição alcançou um patamar nunca antes atingido, subiu tanto que levou consigo o olho e entortou a boca, fazendo seu rosto lembrar uma obra de arte cubista e ela, em total silêncio, erigiu  impropérios e citou todos os palavrões conhecidos e os ainda por inventar, por minutos odiou aquele ser com toda a liberdade de seu espírito e recompensada o viu ser levado para longe de sua presença. Depois teve um momento de arrependimento durante o qual se perguntou se tinha infringido algum artigo do Código de Ética do Servidor Público com as suas palavras, com o seu silêncio ou com o conjunto de sua atitude. Tranqüilizou-se ao certificar-se que não e que os seus sentimentos, provocados pelo procedimento do segurado, embora negativos  eram naturais e permitidos, pois, a dita legislação, que normatiza a conduta do servidor, determina apenas como ele deve agir e não regulamenta suas emoções e sensações pontuais. Aliviada, deixou escapar um alto e sonoro palavrão que, por sorte, ninguém prestou atenção e ficou a cismar se não era já tempo de se elaborar um Código de Ética do Cidadão Segurado...

sexta-feira, 10 de junho de 2011

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS – SEGUNDA-FEIRA

Para Dona Conceição, bem como para a maioria dos trabalhadores, a semana se divide em quatro aborrecidas segundas-feiras e uma auspiciosa sexta-feira, prenúncio de um promissor fim de semana. E foi numa segunda-feira de muita chuva que Dona Conceição, sonhando em comprar um carro, tentava achar uma vaga para estacionar o seu velho fusca. Pegar ônibus num dia desses, nem pensar, e lá vai ela, procurando uma vaguinha para economizar no estacionamento. E lá vai ela, vai indo, atenta ao trânsito, cada vez mais distante de seu objetivo principal. Pronto, finalmente, encontra um espaço que, com boa vontade e um tanto de perícia, pode ser considerado uma vaga; esbarra no carro da frente, bate no de trás, enfim, estacionada!
- Onde estou? - perguntou-se ela, olhando para todos os lados, tentando se orientar em meio a tantos guarda-chuvas. Em que direção ficava a APS?
- Ó céus! – gritou quando se deu conta de onde se encontrava. Olhou o relógio e correu para o ponto de ônibus mais próximo. Estava a uns quinze quilômetros de seu local de trabalho. Vir de carro acabou por não a livrar de tomar um ônibus. Lotado, claro.
Depois de quarenta e cinco minutos de aperto, quando tentava marcar o ponto sem ser notada, o chefe, que tudo vê, pois é essa a sua função e não outra, assim a cumprimentou, sem disfarçar a ironia:
- Boa tarde, Dona Conceição – e não eram nem dez horas de manhã...
- Engraçado - pensou ela – quando fico até mais tarde trabalhando ou detida por alguma reunião de última hora, ninguém me dá boa noite...
A pontualidade tem dessas inconvenientes sutilezas.
                                       
                                                         
                                                           ******

 - Bom dia, Dona Felicidade! A senhora veio dar entrada na aposentadoria?
 - Não sei. – respondeu Dona Felicidade, com voz lamuriosa.
 - Foi isso que a senhora agendou. Ou a senhora quer saber apenas quanto tempo de contribuição tem?
 - É, vê pra mim... eu ando tão cansada, acho que estou doente, deve ser  a idade. – lamentou-se ela, enquanto colocava sobre a mesa umas carteiras profissionais antigas e uma meia dúzia de carnês recentes. Dona Conceição analisou aquele material antigo, uma dúzia de vínculos  a serem incluídos no sistema, avaliou que talvez tivesse tempo suficiente para aposentá-la.
- Vamos dar entrada, quem sabe se a senhora já tem tempo para se aposentar.
- A senhora não tem certeza?
- No momento, não, mas, à tarde, eu vou poder ver isso com calma.
- Ah! – suspirou a infeliz Dona Felicidade - E eu vou ter que continuar pagando o carnê?
- A senhora espera a resposta que talvez não precise pagar mais. Já pagou esse mês, pode aguardar até dia 15 do próximo mês. Até lá a senhora já vai ter a resposta.
- Eu gosto de deixar para pagar no último dia. Eu tenho medo de ficar doente e não pagar. – E começou a desfiar um rosário de mazelas e infortúnios.
Dona Conceição, que já estava ficando deprimida de tanto ouvir as lamúrias da segurada, decidiu finalizar o processo durante o atendimento, apesar de já ter outros agendamentos à espera. Queria minimizar a distância entre o nome e o ânimo de Dona Felicidade. Enquanto a outra lastimava excessivos e provavelmente inexistentes dramas, ela analisou detidamente a carteira, incluiu os vínculos no sistema, conferiu as datas, conferiu novamente, conferiu a contagem do tempo, não confiava muito nas informações do Prisma, deu tempo! Concedido!
- Dona Felicidade, a senhora está aposentada! – disse Dona Conceição satisfeita em dar a boa notícia.
- Estou? – perguntou incrédula e um tanto decepcionada Dona Felicidade.
- Está! – respondeu Dona Conceição, confusa com o desânimo da segurada. Estaria em estado de choque?  Que mulher complicada. O que mais poderia fazer para contentá-la? – pensava a servidora.
 – Bom, agora vou fazer uma cópia de suas carteiras e já volto.
Ao voltar encontrou a segurada ainda mais angustiada que antes.
- Eu vou perder a minha pensão?
- Ah, é isso que está preocupando a senhora? Claro que não. Fique tranqüila.
- Tenho que continuar pagando o carnê?
- Também, não. Agora a senhora está aposentada. Nada de pagar mais, agora é só aproveitar o que a senhora batalhou para conseguir.
- Mas se eu parar de pagar e ficar doente, vou poder ficar de auxílio doença?
- A senhora, estando aposentada, não faz mais jus ao auxilio doença, nem mesmo continuando a contribuir para a Previdência. – esclareceu Dona Conceição.
- Então eu acho que vou esperar mais um pouco para me aposentar, posso?
- Pode, Dona Felicidade, pode. Basta fazer, por escrito, um pedido de cancelamento do seu benefício – respondeu aborrecida, Dona Conceição. Tanto trabalho para nada!
- Então, me arranja um pedaço de papel?
Dona Conceição levantou-se para pegar o papel. Era ainda a primeira segunda-feira da semana, chovia, seu fusquinha estava a quinze quilômetros de distância e ela ainda tinha que agüentar as desventuras de Dona Felicidade.


sexta-feira, 3 de junho de 2011

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS – OS DISFARCES DE DONA CONCEIÇÃO


Foi no verão que Dona Conceição começou a usar um chapéu de palha com abas enormes e imensos óculos escuros ao sair para almoçar e ao voltar para casa, ao fim do expediente. Andava pelas ruas com o chapéu enterrado na cabeça, como um mexicano fazendo a siesta. Quase não enxergava o quem lhe vinha de encontro nem o que ao de encontro ia; mais de uma vez dera cabeçada em poste, chutara lata de lixo e pisara em rabo de cachorro que dormia na calçada. Tinha hematomas a lhe atestarem a dificuldades de comunicação entre os pés e o caminho mas não abandonava os acessórios. Só quando vieram o inverno e a chuva é que os colegas de Dona Conceição começaram a se preocupar com aquele excesso de proteção solar. Interpelada, ela explicou que era por causa de Seu Sebastião, cuja aposentadoria por idade fora por ela indeferida e, ele, que não se conformava com o fato, entrara com recurso e agora vinha todos os dias à agência a exigir uma resposta que não dependia dela e a cobrar direitos que não possuía.
Não suportando mais tanto assédio Dona Conceição passou, a cada dia, a sugerir que ele direcionasse sua reclamação a um setor diferente; que se dirigisse diretamente à Junta de Recursos ou que fizesse uma queixa na Ouvidoria, finalmente opinou que ele devia se lamentar com a assistente social,  do que imediatamente se arrependeu.
Dona Lúcia, a assistente social, não era má pessoa, tinha real interesse em ajudar os segurados embora sua tarefa fosse  ajudar aqueles que não eram segurados do INSS pois seus trabalho dizia respeito aos benefícios assistenciais e não ao previdenciários; entretanto, tinha ela uma certa dificuldade de discernimento e fazia confusão entre ambos. Quando Dona Conceição a viu aproximar-se, cenho carregado e punho fechado, tentou colocar seu disfarce praiano, porém, foi pega com o chapéu na mão.
- Dona Conceição, como pôde a senhora fazer o que fez com o Seu Sebastião, um homem tão necessitado, idoso e, ainda por cima, muito doente – cobrou em voz alta e pouco social, a assistente social, levantando o punho cerrado na direção da servidora.
Dona Conceição tentou explicar que o senhor em questão tinha usufruído  18 anos de um auxílio doença que fora, findo este tempo, cessado por irregularidade e que viera agora, ao completar 65 anos, requerer a aposentadoria por idade e... Dona Lúcia a interrompeu: - Em 18 anos e ninguém regularizou o beneficiou desse pobre homem? É um total desleixo, uma incompetência imperdoável, permitir que uma pessoa tão necessitada fique à míngua por um erro de um servidor, isso é um crime.....  E ia ela continuar seu discurso sem sentido se Dona Conceição não a interrompesse bruscamente: - Irregularidade, neste caso, senhora Dona Lúcia, significa fraude. E agora o Seu Sebastião, depois de receber ilicitamente um benefício durante 18 anos, quer aproveitar esse mesmo tempo para conseguir uma aposentadoria. Porém, lícito ou não, o tempo de auxilio doença não conta para carência*, portanto o Seu Sebastião não pode se aposentar porque não tem carência.
- Como não tem carência? Uma pessoa a quem falta tudo, não é carente? Que esteve doente durante 18 anos, que nunca pôde trabalhar, que tem como sobreviver e a senhora me diz que não tem carência?
Dona Lúcia, vítima de sinuosas e erráticas conexões neuronais, ou não entendia nada  do que se dizia ou entendia tudo ao pé da letra, que é a outra forma de não entender nada.
- Mas não se preocupe, Dona Lúcia, que ele já entrou com recurso – tranqüilizou Dona Conceição, tentando encerrar a conversa.
- Recurso? E que recursos a senhora acha que ele tem para a senhora o extorquir desse jeito? A senhora ainda vai acabar na cadeia!
Dona Conceição não disse mais nada, saiu correndo e se enfurnou no banheiro. No dia seguinte estreou um disfarce diferente; subitamente convertida ao islamismo em sua vertente mais conservadora, tornou-se adepta do talibã e a passou a usar burca. Dona Lúcia, depois de alguns dias, vendo-a ali acomodada em sua mesa habitual, coberta dos pés à cabeça por aquele traje azul, olhos semi-ocultos por trás de uma tela, sentou-se ao seu lado e perguntou o seu nome. – Maria, respondeu Dona Conceição, disfarçando a voz.
- Então, Dona Maria, a senhora tem visto a Dona Conceição?
- Não- respondeu a voz adulterada.
               - Pois não é que ela sumiu? A senhora, muito provavelmente, não imagina o que a Dona Conceição tem feito a essas pobres pessoas que aqui freqüentam... – e ficou meia hora a discursar lamentos nos ouvidos de Dona Conceição.
Certo dia, Dona Conceição, estando abafada por baixo de todo aquele pano, foi para a retaguarda refrescar-se um pouco. Mal levantou a burca e entrou a insistente assistente social,  que lhe gritou:
- Finalmente a senhora resolveu aparecer! Pois saiba que,  enquanto a senhora passeia por aí, o Seu Sebastião morre de fome... – e tanto falou que Dona Conceição nem se animou a responder. Irritada, vestiu outra vez a sua burca e voltou para sua mesa. Mal sentou e lá veio Dona Lúcia, que lhe disse, em voz baixa e lamentosa:
- É, Dona Maria, a senhora é a única por aqui que me compreende...
Enquanto isso o Seu Sebastião, percorria, com olhar frustrado, os quatro cantos da agência tentando encontrar a Dona Conceição...

*não contava........blog defasado.................







sexta-feira, 27 de maio de 2011

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS – DONA CONCEIÇÃO

Acompanharemos hoje um dia na vida de Dona Conceição, servidora pública, trabalhando  há quase trinta anos  na Previdência Social, onde ocupa o cargo de técnico do seguro social. Segunda-feira, dia especialmente nefasto para todos os trabalhadores, que acordam ainda com os restos do domingo nos olhos, está Dona Conceição pronta para mais um dia de trabalho.
  -  Bom dia, seu José! – diz Dona Conceição, com habitual alegria, depois de bocejar a preguiça do fim de semana.
- Bom dia –  respondeu o segurado, mal-humorado, rosnando as palavras.
- Eita, mau-humor de segunda – imaginou  a servidora.
- O senhor veio dar entrada na aposentadoria?
- Vim, sim – responde entre-dentes.
- Aí tem – pensa Dona Conceição, com a perspicácia que sua experiência lhe imprimiu, e seu pensamento assim continuou: Ele já passou por essa cadeira, não gostou do resultado obtido, voltou, deu novamente de cara com a sua algoz e ficou mais irritado ainda. Olhou melhor para o rosto dele e não o reconheceu. Menos mal, sinal de que o primeiro encontro deve ter corrido bem pois não lhe deixou traumas, aquele pânico que se sente ao ver de novo alguém com o qual tivemos uma séria desavença.
Pediu  seus documentos:
 - Tá tudo aí....
- Não disse? – confirmou ela, em pensamento. Pegou o número do beneficio indeferido e saiu em busca das carteiras profissionais do segurado. Não encontrou. Pediu para um estagiário procurar de novo. Nada. Ligou para o arquivo, pediu que trouxessem o processo. O homem  a olhava de modo agressivo e desconfiado, ela estava temerosa, alguma aprontara, sem dúvida. Chega o processo:
 – Senhor, seus documentos lhe foram devolvidos.
- Foram, nada, só me devolveram a carteira – e a joga com arrogância sobre a mesa.
- Hum – pensou Dona Conceição – Uma única e inofensiva carteira, que mal pode haver em tão pouco espaço? – recomeça a se animar.
Pega o processo para procurar onde está o erro cometido, sim, algo de muito grave deve ter ela feito para ele a olhar com essa cara de pitbull esfaimado.
- Hum – pensou quando viu que o beneficio fora indeferido há menos de três meses. Por que ele não tinha entrado com um pedido de recurso? Agora ela ia ter que habilitar de novo, retirar os documentos que poderiam ser aproveitados no novo processo, repetir todo o procedimento anterior, e seu humor foi lentamente se alterando, olhou para o segurado com o receio transmudado em irritação. Ele manteve o olhar desafiador, entretanto, ela percebeu um quase imperceptível recuo de seus ombros. Ela ganhava terreno. Mas estava chateada, por que ele não entrara com o pedido de recurso, tinha que vir fazer tudo de novo? Folheou o processo, com gestos bruscos.
- O quê?! –  indignou-se silenciosamente -já é a quarta vez que ele dá entrada numa aposentadoria!
- O quê?! -  gritou o seu pensamento ao rever aquele PPP de cinco páginas e 85 alterações de função, ia ter que colocar, no PRISMA, cada uma daquelas oitenta e cinco frações de um único emprego. Oitenta e cinco –  subitamente se recordara deste dramático ocorrido. Prosseguiu folheando o processo.
- O quê?! – gritava com uma desesperada mudez – depois de tudo isso e ele só tinha 30 anos de contribuição, ia ter que repetir tudo aquilo inutilmente.
.         Colocou o processo sobre a mesa com uma mão pesada de enfado e impaciência. Nada amistosamente olhou para ele, que, agora, depois dos maus tratados sofridos pelo seu processo de aposentadoria, parecia amedrontado, meio encolhido, tentando disfarçar sua presença.  Ela não disse nada, mudo também ficou ele mas houve uma compreensão  tácita da inversão de atitude entre ambos e, quando Dona Conceição entregou-lhe o protocolo do benefício e dele se despediu com um seco bom dia, ele respondeu, agora, educada e gentilmente: - Para a senhora também.

                                                    ***

Quando chegou a vez de Seu João ser atendido, Dona Conceição já estava novamente de bom humor. Seu João também era muito amável e não parecia nutrir ressentimentos contra ela ou contra a instituição. Tudo corria muito bem até que Dona Conceição pediu suas carteiras profissionais enquanto tentava pesquisar seus vínculos no CNIS, que, como de costume, caía a todo momento. De relance percebeu um volume bastante inusitado sendo colocado  na mesa, olhou melhor, havia uns 10 cm de CTPS, cuidadosamente empilhadas bem na sua frente. Ficou em estado de choque. Eram doze CTPS. Uma dúzia. Confirmadas todas pelas 9 páginas de CNIS, 115 vínculos, 93 extemporâneos. Seu João era  pedreiro, seus vínculos todos de curtíssima duração. Imaginou como seria longa e árdua sua tarde dividida entre os dois processo. Engoliu o desânimo, conseguiu sorrir ao se despedir de Seu João, porém, mal conseguiu almoçar.

À tarde, Dona Conceição,  um processo em cada mão, custou a se decidir entre Seu José e Seu João, acabou optando pelo segundo, com o qual passaria as quatro horas seguintes. Iniciou pela carteira mais antiga, semi-desfeita pelo tempo e pelo mofo, veio a coceira no nariz, colocou  luvas  e uma máscara e começou, com precisão cirúrgica, ananálise dos vínculos, cuidando para que a carteira não se deteriorasse ainda mais com o manuseio. E, a seguir, dedicou-se à segunda, à terceira.... Incrível. Não é que estava tudo certinho? Poderia convalidar todos os empregos do segurado. Então, durante três horas ficou a fazer a solicitação no CNISVR Agora só faltava encontrar uma alma caridosa disposta a responder a pesquisa no HIPNET. Aproximou-se do supervisor um tanto temerosa, pediu que ele homologasse os pedidos, ele abriu o sistema, rolou a tela até o fim, viu os 93 pedidos e declarou sucintamente: -Nem morto! E devolveu-lhe o processo. Ela resolveu mudar de estratégia, foi para a retaguarda e pediu a uma colega que fizesse as homologações e foi saindo de fininho. A moça lhe disse que assim que tivesse um tempinho, cuidaria de seu pedido. “Tempinho”, repetiu Dona Conceição, já então um pouco arrependida de seu ato. Voltou para sua mesa e começou a trabalhar no processo de Seu José e já tinha incluído uma dezena de períodos de PPP no PRISMA quando ouviu um grito de horror  vindo da outra sala. Era aquela sua colega que havia encontrado um tempinho para fazer as homologações dos vínculos de Seu João...



domingo, 22 de maio de 2011

CURSO BÁSICO DE FORMAÇÃO DE LEITORES

       
Com o intuito de diminuir as divergências entre os leitores deste manual a fim de evitar fuzilamentos desnecessários, especialmente da pessoa que o escreve, é que você, colega, convidado ou não  a este espaço, foi compulsoriamente matriculado no Curso Básico de Formação de Leitores.  Aqui você irá aprender as noções básicas imprescindíveis para o correto aproveitamento da leitura das obras clássicas e populares, da alta literatura aos manuais de auto-ajuda, como é o caso deste volume que você acompanha. Vamos aos tópicos:

Introdução à leitura: O primeiro passo para uma saudável e eficaz leitura é a distinção entre ficção e realidade. Embora possa  isso parecer óbvio, e é, muitas pessoas, por variados e insondáveis motivos, não têm facilidade para esse tipo de reconhecimento. Talvez  devido à   inépcia intelectual é que muitas pessoas crêem ser as Memórias Póstumas de Brás Cubas o resultado de uma psicografia e não uma obra de ficção uma vez que o seu personagem principal, narrador da história, já se encontra morto ao contar sua trajetória de vida, o que faz de Machado de Assis  ser, nesta oportunidade, não um escritor mas um médium.

Distinção entre o escritor e sua obra: Essa confusão entre fantasia e realidade acaba por comprometer também o entendimento da distância que há entre aquele que escreve e o que é escrito, transformando todas as obras em autobiografias. É imprescindível que se perceba que um texto não é o seu autor e não o representa, é apenas um punhado de frases esculpidas pela imaginação,  criatividade e  habilidade daquele que o concebe por puro lazer, como é o caso desse manual, ou com algum outro objetivo, seja ele artístico, didático, doutrinário, panfletário etc...

Distinção entre o escritor e o leitor: Deve-se igualmente ter noção exata de que o pensamento do leitor, igualmente livre como o do autor, muitas vezes altera o sentido e a intenção daquilo que foi escrito, criando uma interpretação errônea do que se quis dizer, transformando uma brincadeira, como evidentemente é o caso desse blog, em algo sério, terrível, pintando com tintas carregadas aquilo algo que é leve e para o deleite dos colegas de profissão. E por que essa diferença de interpretação, por que a maioria dos leitores deste espaço compreende exatamente o que se quer dizer enquanto outros não alcançam o sentido do que é dito? Porque uma obra não é criada unilateralmente, grande parte dela reflete o próprio leitor.

O “politicamente correto”: O que seria exatamente esse conceito tão vago quanto difundido? A própria conjunção desses termos é algo antagônica nos tempos atuais, em que a arte da política não costuma ser feita pelos meios mais idôneos e corretos. Lançado a esmo sobre uma população despreparada para o manejo das idéias, o objetivo do termo é a estagnação do raciocínio, inibindo qualquer atividade mental que não esteja em conformidade com um catálogo de pensamentos pré-determinados por uma ordem superior, que incute no povo valores fixos, introduzindo uma rigidez mental onde se tem medo até de pensar aquilo que se julga que não deve nem ser pensado. É o tipo de censura mais eficaz pois cala a idéia em seu berço a fim de abortar a palavra. Hoje, como muito facilmente se percebe, a palavra tem mais peso do que o ato em si. Se uma pessoa comete um ato ilícito mas afirma não tê-lo cometido será julgado com mais leniência  do que aquele que simplesmente declara desejar cometer o mesmo ato condenável, ainda que nunca o faça, numa total inversão de valores. Mais do que a liberdade de expressão, deve-se almejar a liberdade de pensamento, que é este que mais corre risco atualmente.




sexta-feira, 20 de maio de 2011

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS – A CAPACITAÇÃO


Muito se fala do mau atendimento de segurados nas agências da Previdência Social, localizando a culpa única e exclusivamente nos servidores. Todavia, se for feita uma análise imparcial verificar-se-á que 95% dos atendimentos julgados incorretos ou mau finalizados são de responsabilidade dos próprios segurados que desconhecem os procedimentos utilizados, ignoram totalmente as metamorfoses por que passa a legislação previdenciária além de, em grande parte das vezes, não saberem nem mesmo o que os levou à APS. Para sanar essa distorção interpretativa é que foi criado o Curso Básico de Qualificação de Segurados, disposto em módulos curtos e de fácil compreensão, abaixo listados:
Ortografia e Caligrafia*: No nível inicial deste módulo o segurado irá aprender a assinar o seu nome, dispensando a aula de introdução à alfabetização ministrada pelo servidor no ato de firmar o requerimento de um benefício. Os que já dominam tal arte deverão se matricular no nível avançado onde serão conduzidos pelos meandros da composição de declarações e requerimentos simples com o aprendizado de ortografia e concordância nominal e verbal.
Noções Básicas de Aritmética: Aqui o segurado será capacitado a compreender, entre outras coisas, que 5 anos de contribuição não perfazem, em hipótese alguma, 180 contribuições. Para seu espanto, ficará também ciente de que empréstimos representam diminuição da renda mensal.
Raciocínio Lógico: Em que o segurado terá aulas práticas com  seus inúmeros processos de aposentadoria e será apresentado à ordenação cronológica e à afinidade entre os anos trabalhados e o tempo de contribuição e conseguirá, finalmente, concluir que, se 2008 tinha 20 anos de contribuição, em 2009, tinha 21, em 2010, 22, não terá ele mais que 23 anos de contribuição em 2011, distante ainda dos 35 que ele acreditava já ter completado agora através de uma vertiginosa e mirabolante pirueta do tempo.
Articulação e Gestão de Idéias: Onde o segurado irá aprender a dizer, com suas próprias palavras, o objetivo de sua presença na agência. Conseguirá também informar ao servidor o motivo porque está fazendo um pedido de revisão de benefício e se quer realmente dar entrada no benefício agendado ou apenas obter informações a respeito. Ficará apto também a informar seu endereço completo, idade correta e fazer a distinção entre cônjuge e companheiro.
Princípios de Higiene: O objetivo desta aula é incutir no segurado as noções básicas de asseio corporal com a utilização de sabonete e desodorante, assepsia bucal e sobre a necessidade de lavar as roupas, principalmente as meias, para uma satisfatória apresentação em locais públicos de modo a não causar constrangimento e mal-estar no ambiente. Tomará igualmente conhecimento que inhaca não o classifica como segurado especial nem lhe garante o direito ao benefício.
Conservação e Atualização de Documentos: Tem por objetivo esclarecer o segurado de que cueca não é o lugar mais apropriado para guardar a carteira profissional, que não deve limpar as unhas nem palitar os dentes com a quina da carteira de identidade nem enrolar, como um canudo, as certidões de nascimento ou casamento ou colá-las em cartolina ocultando possíveis inscrições em seu verso. A segurada também tomará ciência de que deve atualizar seus documentos a cada casamento para evitar, no caso de pedir a pensão de um marido, apresentar documentos com o sobrenome de outro.
Ética e Urbanidade: Este é o mais complexo módulo de todo o curso de formação de segurados e onde lhes serão incutidas noções de moral e bons costumes. Aprenderão que não jogar o computador no chão, tampouco  ofender o servidor ou ameaçá-lo de morte menos ainda ir da promessa ao ato. Aprenderá também  que não deve mentir para conseguir um benefício do qual não se faz merecedor, incluindo ou excluindo membros ao grupo familiar ao sabor da necessidade.

*Este módulo foi considerado muito rigoroso e excluído da grade curricular por determinação do MEC (Nota do Editor).

sexta-feira, 13 de maio de 2011

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS – A INSALUBRIDADE


Além do contato com tantas pessoas, muitas delas doentes, da pestilência de certas carteiras profissionais e carnês, da falta de uma adequada ventilação do ambiente, notórios entraves à saúde do servidor da APS, enumeramos a seguir outros itens do nosso insalubre dia-a-dia:

O celular: Você tem dois minutos para consultar os seus alfarrábios mentais e responder a uma pergunta bastante simples: Quem inventou o celular?
Aposto que o primeiro nome que lhe veio à mente foi Graham Bell e, os seguintes Thomas Edison, Bill Gates, Steve Jobs... Mas este senhor ilustre, o Graham Bell pós-moderno, que atende pelo nome de Martin Cooper, não lhe ocorreu. Não lhe parece estranha  tão pouca notoriedade para o criador de um aparelho tão cobiçado, utilizado no mundo todo e por representantes de todas as classes sociais? Logicamente há um motivo para que esse grande inventor de idade provecta manter-se melhor escondido até mesmo que Bin Laden, que este já encontrou o seu destino. Então, para descobrir o segredo que envolve este pequeno instrumento é só trabalhar no INSS e ficar o dia inteiro ouvindo os mais variados e irritantes sons do infinito repertório proporcionado por esse cada vez mais eclético objeto. Não se passam cinco minutos sem que um deles dê o ar de sua graça numa aguerrida competição onde é difícil escolher o toque mais insuportável. E para que mais serve um celular numa APS? Para jogar uns games bobocas e sempre em elevada sonoridade enquanto se aguarda a senha ser chamada (Plim plim poin poin tóin tin friiiir);  para fazer críticas e reclamações em particular ouvidoria (Isso aqui é um inferno, essa gente é um bando de vagabundo, eu vim com o fulano porque sabia que ia dá pobrema e outras mais delicadezas direcionadas indistintamente a todos os servidores); para blefar (Eu estou aqui na agência ....... e a mocinha que me atendeu parece não ter gostado muito de ouvir umas verdades que eu lhe disse e agora  está  lá dentro, há mais de meia hora, me dando um chá de cadeira. Tome logo as providências cabíveis...); para filmar e fotografar os servidores que, na opinião do segurado, estão batendo papo quando, estão resolvendo assuntos de trabalho (Vou botar no Youtube, vou levar pro jornal esse bando de vagabundo). Por tudo isso se percebe o que não faria um servidor da Previdência Social se um dia se encontrasse com o responsável de tamanha violência auditiva e se compreenderá porque se esforça ele por se manter em quase total anonimato.


O banheiro: Os banheiros das APS costumam ser pouco espaçosos e carentes de janelas ou ventilação. Por sorte, a queda de alguma placa de rebaixamento do teto, o que não é raro de acontecer, dado o estado de conservação da maioria das agências, propicia um melhor arejamento do ambiente que se abre para um espaço mais amplo, como uma janela para a escuridão.
              Vejamos uma situação: Tenta o colega, entre um atendimento e outro, usar o banheiro. Na primeira tentativa ocorre encontrar o mesmo em fase de limpeza sendo impedido de entrar por uma barricada erigida por baldes, panos de chão, vassouras, escovas, garrafas de desinfetante e volta outra vez para o balcão para habilitar mais outro benefício, reprimindo uma justificável necessidade. Uns quarenta minutos depois, evidentemente muito mais necessitado, retorna ao banheiro, abre a porta, e suas narinas são mortalmente atingidas por eflúvios  putrefatos que emanam daquele depositário do resultado final de uma feijoada mal digerida; atordoado por tal agressão olfativa, chega a perder a noção do que ali viera fazer, dá uma meia volta em busca da direção precisa e retorna para habilitar mais um outro benefício, sabe-se lá agora em que condições fisiológicas e até mesmo psicológicas, esperando, quase alucinado, o momento de uma terceira tentativa. Oremos por ele.


O colega chato: Pior que o mais ranzinza dos segurados é o colega chato pois nenhum segurado permanece o dia inteiro na agência atazanando o servidor. O chato tem diversas graduações que vão do enjoadinho ao insuportável. Tem aquele que irrita por falar muito alto para todos ouvirem e aquele que usa um tom confidencial suspirado, de qual não se entende nada, e você, que não está interessado em saber do que se trata ainda tem que pedir para a pessoa repetir o que disse ou então dar aquele risinho amarelo para que ela se afaste logo. E, assim, você ainda fica sem saber do que riu. Tem aquele que se acha muito espirituoso e dá longas gargalhadas quando conta uma piada sem graça ou faz um trocadilho igualmente inócuo. E o outro que não lhe dá escapatória, gosta de muita proximidade e vai avançando em sua direção até o encostar contra a parede. Normalmente, para piorar, este costuma sofrer de halitose. Agora, o mais desagradável de todos é aquele a quem você pretende deixar bem claro que o acha um   container de amolação, diz-lhe isso na cara dele e o ilustre ainda fica arranjando desculpa para o seu procedimento, sugerindo que você está nervoso por algum motivo pois esse nada modesto cidadão se acha tão interessante e sedutor que não imagina que o outro possa ter opinião diversa.
Obs: Não foi considerado, neste item, em respeito à uma desejável integridade física, o colega de categoria superior, também conhecido como gerente e a quem não se deve, de modo algum, provocar (ainda tenho um olho roxo...).


sexta-feira, 6 de maio de 2011

TÉCNICAS DE SOBREVIVÊNCIA EM APS – PROCEDIMENTOS BÁSICOS


Neste capítulo vamos tratar de três assuntos que nos afligem em nosso dia-a-dia.
O primeiro diz respeito àquela simpática velhinha que vem em busca de um benefício assistencial e que você constata que não se enquadra na condição de penúria necessária para ser merecedora de tal regalia pecuniária. Após uma rápida análise de sua aparência, onde se percebe um ou mais elementos suspeitos como cabelo bem cortado e tingido de tons pouco intencionais como o lilás e o laranja, unhas bem cuidadas, perfume que a precede e que ela não leva embora ao partir, bijuterias extravagantes, entre outros detalhes.
Ao contrário do que afirmam o seu aspecto e a sua conduta refinada, ela garante não ter onde cair morta e tira um lenço bordado à mão de sua bolsa de couro legítimo para secar as escassas lágrimas com que tenta emoldurar de veracidade um discurso artificioso. Não se deixe enganar pelo trabalho cênico nem pelo requerimento onde ela declara morar sozinha e não ter renda alguma. Participe de seu jogo de cena, finja acreditar em suas palavras, dê um profundo e empático suspiro e, sutilmente, leve-a a cair em contradição até que ela confirme que ganha, sim, “um pouquinho de dinheiro fazendo uns trabalhinhos mas que nem dá para pagar o aluguel...”  “ah, sim, e quanto é esse pouquinho?” “ Ás vezes uns 600 reais, às vezes um pouco mais...” Então, conseguida a confissão, é só convencê-la a declarar a renda por escrito, no requerimento. Ela vai pedir desconto, irá perguntar se pode colocar só a metade, você deve concordar pois esse pouco já será o suficiente para o sistema indeferir o benefício por renda superior a um quarto do salário mínimo. Depois lhe dê a má notícia, com um ar de pesarosa surpresa, comprovando que você tem tanto talento quanto ela para  as artes da interpretação.

Nosso segundo ponto refere-se ao salário maternidade da empregada doméstica. Visando facilitar essa classe trabalhadora que luta para sair da informalidade, este benefício não exige carência o que abre precedente para qualquer uma gestante que nunca trabalhou na vida ver-se, aos seis ou sete meses de gestação, contratando um vínculo de doméstica com sua sogra ou algum parente próximo ou distante com o único intuito de usufruir o benefício. E o que pode você, colega de sofrimento, fazer para coibir esse abuso não previsto pela legislação previdenciária? Instituir a JA* compulsória. Convoque patroa e empregada, leve a primeira para a sala de JA devidamente ornamentada com variados instrumentos de tortura como torniquete, chicote, pau-arara, apetrechos, é bom que se diga, de maior utilidade psicológica do que física, e instaure um bem dirigido inquérito a fim de revelar a verdade oculta por trás daquele duvidoso vínculo empregatício. Se, ainda assim, ela insistir que a nora é mesmo sua empregada, faça um teste de habilidade específica com a mesma. Obrigue-a a fazer a faxina dos banheiros dos segurados e observe sua atitude; se ela fizer cara de nojo, perde  três pontos no ato. Veja como ela se sai no manejo do balde e da vassoura, verifique a sua agilidade com a  escova sanitária e  a sua desembaraço ao esvaziar da cesta de papel higiênico. Ela deverá provar também seu traquejo na limpeza dos vidros da agência e ao passar no chão aquele desinfetante perfumado e de excelente qualidade com o qual somos brindados diariamente.  Se a média for inferior a seis, ela deverá ser reprovada e o benefício, indeferido.
Obs: Este teste só deve ser feito em época posterior ao fato gerador para não haja risco de danos ao nascituro.

Todos os dias temos a oportunidade de observar as variadas maneiras de como se portam os segurados a partir do momento em que pegam a senha e ficam esperando para serem atendidos. Uns, os mais tranqüilos, se acomodam na cadeira e logo pegam no sono, com o quê perdem sua vez. Outros, os mais comunicativos, encontram variados assuntos para conversar com seu vizinho de cadeira e, muitas vezes,  se distraem tanto que não percebem quando chamados. E há também aquele que, para agilizar o andamento do processo e encaminhar o cidadão à mesa que o chamou,  fica narrando o atendimento como se fosse bingo: O 17 , I 45, A 90... E, quando canta a sua senha só falta gritar BINGO!
 Portanto somos da  opinião que é necessário padronizar  o comportamento da clientela. Para isso,  sugerimos a utilização de um monitor de chamada adaptado à uma televisão onde, nos intervalos dos atendimentos, pode-se assistir aos educativos programas da TV a cabo como, por exemplo, os do Animal Planet, cujos narradores possuem uma voz de freqüência modulada que, mais que tranquilizar o ambiente, leva qualquer um ao sono. Tomemos como exemplo do episódio: “A vida sexual dos ursos panda”. Não chega  a ser um vídeo de sexo explicito já que os simpáticos animais, a exemplo do que fazem à noite, passam o dia todo a comer bambu. Tal animação leva ao cochilo até mesmo o narrador do programa, imagine o efeito avassalador que não terá sobre os segurados... Em dado momento uma sirene toca, o painel pisca e diversas senhas são chamadas e os  segurados, atônitos como porquinhos da índia em barraquinha de festa junina, procuram as respectivas mesas que os solicitam. Depois de uns minutos, novo silêncio se abate sobre a agência, a tranqüilidade volta o ambiente e só se ouve, ao longe, o roer incessante de bambus.


* Justificação Administrativa